O século XVIII foi, como sabemos, um século de profundas
transformações, de questionamento dos antigos valores, da religião oficial e
dos preconceitos, questionamentos devidos, entre outros, a descoberta de países
inexplorados, ao desenvolvimento da pesquisa científica e ao triunfo da Razão. Entretanto nesta chamada “Era
da Luzes” um homem se distingue, Louis
Claude de Saint-Martin, o “Filósofo
Desconhecido”, com suas pesquisas espirituais de uma categoria
elevadíssima, cujo espírito ultrapassa sua época e cuja obra atravessa os
séculos veiculando sua mensagem universal.
Aquele que leu “Le Tableau
Naturel des Rapports Quí Exístent Entre Dieux, L’Homme et L’Univers”(1),
por exemplo, entreve diante de si um horizonte insuspeito, compreende um
pouco melhor o que o cerca e sobre tudo abre brecha para uma pesquisa ilimitada
no tempo e no espaço.
Direcionarei meu estudo a esse Mestre
Passado, caro aos Martinistas e a obra “O
Quadro Natural”, que foi um dos trabalhos mais importante de Saint-Martin.
Em seu procedimento intelectual o “Filósofo Desconhecido” utiliza, como sabemos, a analogia, cujo
apostolado básico determina: O que está
em baixo deve ser interpretado pelo que está em cima e vice‑versa.
Abordarei somente o necessário sobre o problema da queda.
Evocarei, sobretudo, o meio do homem reerguer‑se dessa queda, ou seja, de sua Regeneração.
Em que consiste a Regeneração para um Martinista? É o passo que segue a tomada de consciência (2) dessa famosa queda. É antes de tudo
o Desejo, termo caro a Saint-Martin, de reconquistar o paraíso perdido. Este
Desejo, sendo, verdadeiramente profundo e sincero, será o "motor" de
nossa alquimia interior. Havendo, tomada de consciência, de nossa infeliz
condição, seguida do desejo de mudança e retorno a fonte, começa a Regeneração,
essa longa viagem de retorno ao pai.
No "Quadro Natural”, Saint-Martin
evoca a desordem que provém do homem, as origens da queda; separadas, estas,
pelo autor, entre Causa Superior e Causa Inferior. A Causa Inferior deixou de
ser determinada pela lei da Causa Superior. A produção de Deus desejou ser como
seu igual, desejou independência, então Deus deu o livre‑arbítrio aos homens,
deixou a matéria acudir ela-mesma às suas necessidades, o que acarretou a
desordem. A união com Deus estava rompida, é necessário renová-la.
O princípio divino não contribui para o mal que pode nascer
entre suas produções, pois o homem possui o livre‑arbítrio. A consideração
dessa conclusão é que o mal vêm do homem.
"Para que o
mal possa se perceber (comenta o “Filósofo Desconhecido”), seria necessário que ele fosse verdadeiro e
então cessaria de ser o mal. Tendo em vista que a verdade e o bem são a mesma
coisa. Portanto compreender é perceber a ligação de um objeto com a ordem e a
harmonia cuja regra possuímos em nós mesmos”
Uma das conseqüências desta queda é que, com a continuação da
incorporação material do homem, o sensível tomou o lugar do intelectual e o
intelectual do sensível.
Mas, se o homem caiu, ou seja, perdeu seus
magníficos privilégios, ele possui em si o germe e todas as virtudes que
possibilitam o seu desenvolvimento, se estas são sua vontade e seu desejo.
Neste caso o “Filósofo
Desconhecido” evoca as ferramentas que Deus colocou à disposição dos homens
para acelerar a sua reabilitação.
Segundo a bela
imagem de Saint-Martin, o homem carrega consigo um germe invencível cuja
existência permite esperar "frutos
análogos à sua própria essência, como quando nós semeamos germes vegetativos,
obtemos frutos análogos aos princípios de onde eles saíram”.
Percebamos,
queridos Irmãos, que esse germe é muito precioso e que nos compete cultiva-lo
ou deixá-lo morrer. Nossa responsabilidade é imensa.
Mas, nós somos ajudados em nossa tarefa, porque Deus coloca
continuamente sobre a rota do homem imagens destinadas a estimular e abrir‑lhes
os olhos. Deus age pela lei universal da Reação, precisa Saint-Martin.
O que devemos, entender
com isto? Desde que nos desviamos de nossa via e empreendemos o caminho do
erro, um acontecimento, uma circunstancia inesperada, uma presença humana surge
diante de nós a fim de permitir nossa reação; é um signo que o criador coloca
em nossa porta para ajudar em nossa recuperação.
Nos resta, portanto, saber interpretar
favoravelmente esse signo e, de orar, porque a prece conduz ao discernimento e
somente ela clareia, de uma maneira justa, nossa consciência.
Jamais escapamos ao olhar de Deus. Eis o que diz Saint-Martin
:"A 1uz intelectual é sempre presente. Quando nos aproximamos ela nos aquece,
conhecemos sua existência. Quando fechamos os olhos à sua claridade, deixamos
de perceber essa luz, mas estamos permanentemente sob a exterioridade da grande
Luz e não podemos jamais estarmos
inacessíveis ao olho do Ser Universal.”
Um dos auxílios importantes, para Saint-Martin, é a natureza,
a natureza que ensina ao homem que sabe escutar, a natureza que é um verdadeiro
instrumento de Deus: "A existência
de todos os seres da natureza tem como finalidade maior temperar os maus e as
desordens”.
O homem deve, portanto, unir suas forças àquelas que lhe são exterior;
recolhendo todas as virtudes de todos os reinos terrestres.
Podemos, portanto,
emitir a idéia de que tudo o que nos cerca deve nos servir de ensinamento. Não
compreendemos melhor, agora, os sofrimentos atuais do homem moderno que não
sabe mais ler o "Grande livro da
natureza”, para quem esta natureza tornou-se estranha, tendo como única
função seus recursos e cujo único objetivo é ser explorada até o esgotamento e
aniquilamento?
Como também não pensar nos auxílios de
nossos Mestres Passados cuja Luminária
é o símbolo em nosso templo Martinista, assim como do “Mestre Desconhecido” perpetuamente presente no Ocidente.
Saint-Martin afirma, por sua parte, a necessidade surgida entre os homens de Seres Depositários das virtudes primeiras perdidas pelo homem, e
também da necessidade destes Agentes completarem sua destinação por atos
sensíveis e terem um culto sobre a terra, um culto verdadeiro tendo unicamente
como finalidade o restabelecimento da harmonia entre Deus, o Homem e o
Universo.
O “Filósofo Desconhecido”
nos revela igualmente que o homem possui em si signos viventes de todos os
mundos e de todos os universos e a quantidade de faculdades do Princípio
Divino.
Mas para desenvolver esses dons e essas virtudes uma condição
é indispensável: a obediência a
Deus.
Saint-Martin afirma: “
Se não fosse a mão da Sabedoria que cultiva sua própria semente e reativa o germe sagrado colocado por ela-mesma
em nós, em vão pretenderíamos produzir frutos análogos à arvore que nos
engendrou.”
O que parece essencial com relação à Regeneração do homem nesta obra, é o convite feito pelo autor à
ação, porque a ação, como afirma "é
o germe essencial à reabilitação do homem".
Ação em conformidade, naturalmente, com os preceitos divinos,
confirmada por esta idéia do autor: "O homem simples que segue com
fidelidade e confiança os preceitos do Agente Universal é aquele que pode
pretender entrar no Conselho da Paz. ".
Eis sucintamente o que esta obra de uma densidade, de uma
riqueza e de uma profundidade pouco comum pode inspirar à minha reflexão sobre
este tema que preocupa cada Martinista ao longo de todas as etapas de seu
caminho na via iniciática que ele decidiu um dia percorrer e que lhe conduzirá
à Reintegração, à Harmonia Universal, à Unidade de onde somos todos
originários, iniciados ou não.
Notas:
(1) Saint-Martin, Louis Claude: “O Quadro Natural das Relações que Existem entre Deus, o Homem e o Universo”.
(2) Ao contrário do diz a autora, este momento anterior à ação
firme no sentido da conquista da Regeneração é chamado pelos Martinistas de Reconciliação (N. do T).
*** Retirado
do boletim “O Filósofo Desconhecido” , N
1 – 2006, OM&S .