ARTE E ETERNIDADE EM JOSEPHIN PÉLADAN*
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O Sr. Curie não tem nenhuma necessidade de teologia para constatar o fenômeno de radiação que justifica a doutrina espiritualista e, ao provar a unidade da matéria, traz uma surpreendente confirmação da unidade de Deus. Diante de seus aparelhos, ele pode ser materialista, sem que isso prejudique suas descobertas.
O
artista, ao contrário, condena-se à esterilidade ao aplicar à sua busca uma
fórmula de laboratório. O que ele constata não significa nada: os elementos que
lhe fornece a natureza devem atravessar estados sucessivos para se
cristalizarem em beleza; o alambique aqui é seu próprio cérebro. Como o modelo,
análogo ao carbono, vai-se sublimar em diamante? A que temperaturas de alma
será preciso submeter o sombrio mineral para conduzi-lo ao estado luminoso e
radiante? Segredo verdadeiramente impenetrável, segredo quase divino essa
transformação da forma atual em forma imortal!
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Esteticamente,
não há sucessão. Após o gênio vem a mediocridade e, para dizer a verdade, não
há escolas, há homens mais ou menos divinos e outros homens aplicados que os
seguem.
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A
arte da França morre porque ninguém ama a beleza como São Francisco amou a
pobreza; perdidamente.
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A
história da arte é a história de alguns indivíduos.
Entre
eles, colocam-se cinquenta nomes que não valem senão como diminutivos do seu
nome! Esses cinquenta servem de escala para medir os gigantes, dos quais, sem
eles, não conheceríamos a verdadeira estatura. Natura non facit saltus. Antes e depois do gênio, não se prosterna,
mas ainda se admira.
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O
privilégio do homem é penetrar pelo pensamento até às essências que o olho
interno descobre sozinho, e até à fonte de todas as essências, o Ser infinito
ou o Belo absoluto. Manifestá-lo nas formas dele emanadas e que o refletem, tal
é o objeto da arte, seu objetivo magnífico.
Lamennais
diz acertadamente. A obra de arte digna desse nome tende a encontrar a
substância ou forma expressiva da essência. A arte opera por encarnação.
Quando
o venerável Ingres nos mostra Joana d’Arc armada exatamente conforme a moda das
armas em 17 de julho de 1429, ele não faz nada de bom nem de mau. A essência de
seu tema é outra. Qual é a forma essencial de uma donzela inspirada, que,
depois de levar seu país à vitória em nome de Jesus rei do céu, será queimada
aos dezenove anos?
Estandarte,
espada, armaduras, acessórios sem interesse. Joana d’Arc é uma ideia: qual é o
corpo dessa ideia, a face dessa ideia? Ela é uma jovem e faz ato de homem; ela
é do sexo de seu ato? Não. É somente uma donzela? Também não. Será São Jorge?
Tampouco. Um anjo? Não.
Não
posso enumerar a sucessão de imagens pelas quais o artista chegará a conceber a
boa Lorena; mas afirmo que se trata de desenhar um rosto, depois um corpo, de
encontrar enfim um gesto e que o problema é puramente expressivo e plástico.
O
Moisés de Miguel Ângelo desorienta nossas noções preconcebidas. Ninguém
explicará satisfatoriamente essa obra, tão bizarra em sua roupagem, e, no
entanto, ninguém hesitará em reconhecer o personagem.
Os ortodoxos não gostam do Moisés, acham revoltantes os nus da capela dos Médicis e os denominam “o caos e a matéria, o orgulho e a volúpia que a Renascença parece ter querido glorificar”.
Já
indiquei o quanto a sacristia calunia o ardente espiritualismo da Renascença.
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O
personagem da arte difere do personagem vivo como o ator em cena difere do
homem privado. A moldura ou o pedestal separa este mundo do mundo da ficção,
como uma rampa.
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O que
constitui a beleza de uma estátua é exatamente o que separa a obra do modelo; e
essa distância se dá primeiramente entre o homem geral ou serial e o indivíduo;
em seguida entre o homem serial e o personagem representado; enfim, entre o
personagem e a ideia maior que ele simboliza. Suponhamos que se trate de uma
estátua de Prometeu, sua forma será bela, animalmente; além disso, ela será um
pouco colossal, já que ele é um demônio entre o efêmero e o olímpico; enfim,
será preciso que ela responda à audácia que roubou o fogo, à caridade que o
deu, e sobretudo à vontade que o suplício do Cáucaso não pôde esgotar.
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O
diagnóstico médico não traz nenhum esclarecimento para o crítico. Miguel Ângelo
era muito bilioso, grande descoberta! Torregiani lhe esmagou o nariz, e o que
isso contribui para explicar o teto da Capela Sistina?
O
gênio trabalha apesar da doença e não por causa dela. Bazzi (1) mereceu seu
cognome? O que isso importa para O êxtase
de Santa Catarina e para O casamento
de Alexandre e Roxana?
Aqueles
que viveram na intimidade dos homens de gênio conhecem suas manias, seus
tiques, e sabem que isso são acidentes, sem relação com suas obras.
A
faculdade criadora, desde que ela exista, domina o ser inteiramente; ela mantém
aqueles que a possuem em estado de perpétua gestação.
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A
ciência oferece verdadeiramente uma sequência adicional que coloca o que veio
por último na posse de todo o adquirido pelos que lhe precederam: o mais fraco
naturalista assimila as descobertas de Lavoisier e de Bertholet e, a não ser em
seus métodos, a ciência não parece poder retroagir.
A
arte, ao contrário, se encarna, vive e morre em cada gênio. Giotto é toda uma
arte, e Rafael, por mais perfeito que seja, não possui as qualidades do
trecentista.
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A
beleza é única em seus caracteres essenciais. A mesma busca leva ao mesmo
resultado.
As
obras-primas têm entre si um ar de família e esse ar constitui a quintessência
da arte. Com a gama musical, Palestrina tudo exprimiu, assim como Wagner. Com a
forma humana, desde a Esfinge colocada no limiar do deserto até o São João,
desde a deusa de Tebas até a Madona, tudo foi dito.
O Cristus
Judex de Miguel Ângelo com a barba seria o Zeus tonitruante, como os
personagens da Disputa do
Santo-Sacramento poderiam se tornar gregos e os da Escola de Atenas cristãos. O São João a meio corpo não seria uma
esfinge com braços?
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Peço
perdão à Universidade atual, a qualidade que faz uma obra-prima de um pote,
materialmente semelhante a um outro, essa inflexão de linha, essa inefável
modulação do contorno que nenhuma regra exprime e que em suma não existe senão
pelo divino acaso da inspiração é imaterial como a alma que a percebe.
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Nem
as particularidades locais e momentâneas da civilização, nem os traços animais
e coletivos da humanidade possibilitam a beleza. Para compreender uma obra
esteticamente, é preciso esquecer a vida do artista e da época. Se Leonardo
tivesse querido nos informar sobre Louis Le More (2), e Rafael sobre Leão X,
eles teriam pintado diferentemente.
Esses
mestres não eram cronistas e não se propunham de forma alguma a fornecer
documentos aos historiadores; eles viam um mundo ideal que nunca existiu
senão em seus espíritos e pintaram suas visões. O artista pertence a seu tempo
tão somente pela natureza de suas visões, que participam, não do pensamento
geral, mas dessa minoria intelectual que é sempre a elite. Rafael fez sua
obra-prima com a Escola de Atenas, porque o humanismo foi o verdadeiro
misticismo da Renascença.
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A
Beleza opera por meio da volúpia. Uma obra-prima aumenta em nós a vida da
graça, espelho magnífico que ilumina e dilata nossa personalidade.
Primeiramente, a Beleza nos dissuade de toda vulgaridade, ela nos inculca a
ideia de perfeição e harmonia. A Beleza é o mistério para os olhos, ela é o
verdadeiro tornado sensível, ela é o bem visível, ela é o rosto de Deus.
Nós
vivemos intelectualmente de mistério como Fausto, nós vivemos animicamente de
aspirações à felicidade e à justiça como Prometeu; e a arte, criada pela
religião, torna-se a nova religião para os homens que cessam de crer sem cessar
de ser homens e de sentir.
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* * Textos
selecionados e traduzidos de L’esthétique idéaliste, in: PÉLADAN,
Joséphin. “Les deux esthétiques – Théorie de la beauté”. Casimiro livres, 2022.
Tradução: Anderson Fortes de Almeida.
1) trata-se
do pintor italiano Giovanni Antonio Bazzi (1477 – 1549), cognominado Il Sodoma (O Sodoma) segundo Giorgio Vasari em sua obra As Vidas dos
Melhores Pintores, Escultores e Arquitetos, publicada em 1568.
2) Ludovico
Maria Sforza (1452 – 1508), cognominado Il Moro (O Mouro), regente do ducado
de Milão e mecenas de Leonardo da Vinci, a quem encomendou o afresco conhecido
como A Santa Ceia ou A Ceia do Senhor (em italiano: L’Ultima
Cena) para o convento dominicano de Santa Maria delle Grazie.