sábado, 17 de março de 2012

Queda - Regeneração - Reintegração

Por Brigitte Mahou*

O século XVIII foi, como sabemos, um século de profundas transformações, de questionamento dos antigos valores, da religião oficial e dos preconceitos, questionamentos devidos, entre outros, a descoberta de países inexplorados, ao desenvolvimento da pesquisa científica e ao triunfo da Razão.  Entretanto nesta chamada “Era da Luzes” um homem se distingue, Louis Claude de Saint-Martin, o “Filósofo Desconhecido”, com suas pesquisas espirituais de uma categoria elevadíssima, cujo espírito ultrapassa sua época e cuja obra atravessa os séculos veiculando sua mensagem universal.

Aquele que leu Le Tableau Naturel des Rapports Quí Exístent Entre Dieux, L’Homme et L’Univers”(1), por exemplo, entreve diante de si um horizonte insuspeito, compreende um pouco melhor o que o cerca e sobre tudo abre brecha para uma pesquisa ilimitada no tempo e no espaço.

Direcionarei meu estudo a esse Mestre Passado, caro aos Martinistas e a obra “O Quadro Natural”, que foi um dos trabalhos mais importante de Saint-Martin.

Em seu procedimento intelectual o “Filósofo Desconhecido” utiliza, como sabemos, a analogia, cujo apostolado básico determina: O que está em baixo deve ser interpretado pelo que está em cima e vice‑versa.

Abordarei somente o necessário sobre o problema da queda. Evocarei, sobretudo, o meio do homem reerguer‑se dessa queda, ou seja, de sua Regeneração.

Em que consiste a Regeneração para um Martinista? É o passo que segue a tomada de consciência (2) dessa famosa queda. É antes de tudo o Desejo, termo caro a Saint-Martin, de reconquistar o paraíso perdido. Este Desejo, sendo, verdadeiramente profundo e sincero, será o "motor" de nossa alquimia interior. Havendo, tomada de consciência, de nossa infeliz condição, seguida do desejo de mudança e retorno a fonte, começa a Regeneração, essa longa viagem de retorno ao pai.
       
No "Quadro Natural”, Saint-Martin evoca a desordem que provém do homem, as origens da queda; separadas, estas, pelo autor, entre Causa Superior e Causa Inferior. A Causa Inferior deixou de ser determinada pela lei da Causa Superior. A produção de Deus desejou ser como seu igual, desejou independência, então Deus deu o livre‑arbítrio aos homens, deixou a matéria acudir ela-mesma às suas necessidades, o que acarretou a desordem. A união com Deus estava rompida, é necessário renová-la.

O princípio divino não contribui para o mal que pode nascer entre suas produções, pois o homem possui o livre‑arbítrio. A consideração dessa conclusão é que o mal vêm do homem.

"Para que o mal possa se perceber (comenta o “Filósofo Desconhecido”), seria necessário que ele fosse verdadeiro e então cessaria de ser o mal. Tendo em vista que a verdade e o bem são a mesma coisa. Portanto compreender é perceber a ligação de um objeto com a ordem e a harmonia cuja regra possuímos em nós mesmos”

Uma das conseqüências desta queda é que, com a continuação da incorporação material do homem, o sensível tomou o lugar do intelectual e o intelectual do sensível.

Mas, se o homem caiu, ou seja, perdeu seus magníficos privilégios, ele possui em si o germe e todas as virtudes que possibilitam o seu desenvolvimento, se estas são sua vontade e seu desejo.

Neste caso o “Filósofo Desconhecido” evoca as ferramentas que Deus colocou à disposição dos homens para acelerar a sua reabilitação.
        
Segundo a bela imagem de Saint-Martin, o homem carrega consigo um germe invencível cuja existência permite esperar "frutos análogos à sua própria essência, como quando nós semeamos germes vegetativos, obtemos frutos análogos aos princípios de onde eles saíram”.

Percebamos, queridos Irmãos, que esse germe é muito precioso e que nos compete cultiva-lo ou deixá-lo morrer. Nossa responsabilidade é imensa.

Mas, nós somos ajudados em nossa tarefa, porque Deus coloca continuamente sobre a rota do homem imagens destinadas a estimular e abrir‑lhes os olhos. Deus age pela lei universal da Reação, precisa Saint-Martin.

 O que devemos, entender com isto? Desde que nos desviamos de nossa via e empreendemos o caminho do erro, um acontecimento, uma circunstancia inesperada, uma presença humana surge diante de nós a fim de permitir nossa reação; é um signo que o criador coloca em nossa porta para ajudar em nossa recuperação.

Nos resta, portanto, saber interpretar favoravelmente esse signo e, de orar, porque a prece conduz ao discernimento e somente ela clareia, de uma maneira justa, nossa consciência.

Jamais escapamos ao olhar de Deus. Eis o que diz Saint-Martin :"A 1uz intelectual é sempre presente. Quando nos aproximamos ela nos aquece, conhecemos sua existência. Quando fechamos os olhos à sua claridade, deixamos de perceber essa luz, mas estamos permanentemente sob a exterioridade da grande Luz e não podemos jamais estarmos   inacessíveis ao olho do Ser Universal.”
 
Um dos auxílios importantes, para Saint-Martin, é a natureza, a natureza que ensina ao homem que sabe escutar, a natureza que é um verdadeiro instrumento de Deus: "A existência de todos os seres da natureza tem como finalidade maior temperar os maus e as desordens”.
            
O homem deve, portanto, unir suas forças àquelas que lhe são exterior; recolhendo todas as virtudes de todos os reinos terrestres.

 Podemos, portanto, emitir a idéia de que tudo o que nos cerca deve nos servir de ensinamento. Não compreendemos melhor, agora, os sofrimentos atuais do homem moderno que não sabe mais ler o "Grande livro da natureza”, para quem esta natureza tornou-se estranha, tendo como única função seus recursos e cujo único objetivo é ser explorada até o esgotamento e aniquilamento?
      
Como também não pensar nos auxílios de nossos Mestres Passados cuja Luminária é o símbolo em nosso templo Martinista, assim como do “Mestre Desconhecido” perpetuamente presente no Ocidente. Saint-Martin afirma, por sua parte, a necessidade surgida entre os homens de Seres Depositários das virtudes primeiras perdidas pelo homem, e também da necessidade destes Agentes completarem sua destinação por atos sensíveis e terem um culto sobre a terra, um culto verdadeiro tendo unicamente como finalidade o restabelecimento da harmonia entre Deus, o Homem e o Universo.

O “Filósofo Desconhecido” nos revela igualmente que o homem possui em si signos viventes de todos os mundos e de todos os universos e a quantidade de faculdades do Princípio Divino.

Mas para desenvolver esses dons e essas virtudes uma condição é indispensável: a obediência a Deus.

Saint-Martin afirma: “ Se não fosse a mão da Sabedoria que cultiva sua própria semente e   reativa o germe sagrado colocado por ela-mesma em nós, em vão pretenderíamos produzir frutos análogos à arvore que nos engendrou.”

O que parece essencial com relação à Regeneração do homem nesta obra, é o convite feito pelo autor à ação, porque a ação, como afirma "é o germe essencial à reabilitação do homem".

Ação em conformidade, naturalmente, com os preceitos divinos, confirmada por esta idéia do autor:  "O homem simples que segue com fidelidade e confiança os preceitos do Agente Universal é aquele que pode pretender entrar no Conselho da Paz. ".
 
Eis sucintamente o que esta obra de uma densidade, de uma riqueza e de uma profundidade pouco comum pode inspirar à minha reflexão sobre este tema que preocupa cada Martinista ao longo de todas as etapas de seu caminho na via iniciática que ele decidiu um dia percorrer e que lhe conduzirá à Reintegração, à Harmonia Universal, à Unidade de onde somos todos originários, iniciados ou não.

Notas:

(1) Saint-Martin, Louis Claude: “O Quadro Natural das Relações que Existem entre Deus, o Homem e o Universo”.

(2) Ao contrário do diz a autora, este momento anterior à ação firme no sentido da conquista da Regeneração é chamado pelos Martinistas de Reconciliação (N. do T).

*** Retirado do  boletim “O Filósofo Desconhecido” , N 1 – 2006, OM&S .

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