sábado, 9 de abril de 2016

O PANTÁCULO E O LIS

                                                   O PANTÁCULO E O LIS

                            Dois Martinistas no Egito, D. P. Sémèlas e Eugène Dupré

                                                                   

                                                                                                    Por Christian Rebisse*

Entre as brilhantes personalidades que serviram a causa martinista, nos parece importante colocar em evidência o papel desempenhado por dois deles, Démetrius Platão Sémèlas e Eugéne Dupré que, a sua maneira, contribuíram para o estabelecimento do Martinismo.

Démetrius Platão Sémèlas é de origem grega, nascido em 1883 na Silivry, Turquia. Estudante de medicina na universidade de Atenas, apaixonou-se pelo ocultismo. Com alguns amigos estudou as ciências tradicionais sob a direção de um velho Mestre. Uma noite, em 1902, o Invisível o ordenou de ir ao monastério de Levadia sobre o monte Athos. Intrigado, nosso estudante tomou a estrada rumo a “Santa Montanha”. Chegando ao monastério, o Invisível o guiou através de várias criptas onde descobriu pergaminhos pertencentes à iniciados do passado, Templários e Rosa-Cruz.

Esta descoberta fez de Démetrius Platão Sémèlas o herdeiro dos Irmãos do Oriente, uma antiga Ordem que logo reorganizará. Entretanto , o jovem D. P. Sémèlas não se sentiu pronto para uma missão de tamanha magnitude e julgou necessário primeiro entrar em contato com os iniciados de seu tempo, afim de atestar sua missão. Não foi na Grécia, mas no Egito trabalhando como químico industrial, onde entrará no círculo secreto destes iniciados.

O Martinismo no Egito

O dossiê “Lojas” do fundos Papus, na biblioteca municipal de Lyon, contêm informações concernentes ao início do Martinismo no Egito (1). Seu estudo revela que o Martinismo parece ter sido implantado no final de 1892. Os primeiros Martinistas egípcios foram essencialmente estrangeiros, franceses em sua grande maioria. Auguste Souter, engenheiro de patrimônios do Estado em Sakha (baixo-Egito) entrou em contato com Sedir em novembro de 1892. Entretanto, em março de 1893, não havia ainda recebido a iniciação martinista mesmo estando já em posse dos diversos “cadernos martinistas” (2). As primeiras iniciações “egípcias” foram, provavelmente em Paris no início do ano de 1896. Um pequeno grupo veio se iniciar na Loja “Hermanibus”. Em 11 de janeiro de 1896, Jeannine Costet, escreveu agradecendo Sedir da acolhida que lhe foi reservada em Paris (3). 

Entre estes membros figuravam seu esposo Jean Costet, Houdaye, Boudry e Larriou. Estes poucos membros são provavelmente a origem da primeira Loja egípcia, como consta na ata da reunião do Supremo Conselho de março de 1897, quando menciona as atividades da Ordem no país. O “delegado geral” da O:: M:: no Egito era Démosthenes Verzato, um médico magnetizador, que dirigirá “Hermes”, a Loja-mãe para este país na Alexandria.

Esta é, em resumo, a situação quando D. P. Sémèlas chegou no Egito. É em janeiro de 1911, graças a Edouard Troula, um Martinista de passagem pelo Cairo, que vai entrar em contato com a O:: M::. Este último fez-lhe elogios da “Sociedade Martinista” dirigida por Papus e lhe recomendou entrar em contato com o célebre Ocultista. Em 12 de janeiro D. P. Sémèlas escreve à Gerard Encausse, para solicitar “a honra de ser recebido membro da Ordem” (4). A resposta de Papus não demorou e em 23 de janeiro, este lhe aconselha de entrar em contato com seu delegado no Egito, o irmão Verzato.

O Templo do Essênio

Rapidamente, Sémèlas entrou em contato com delegado geral e recebeu a iniciação Martinista. Como não existia Lojas no Cairo, solicitou à Papus a autorização de criar uma em sua vila, sob o nome de “Templo do Essênio no III” Papus aquiesceu ao seu pedido e lhe expediu uma carta com este objetivo (no 312). No Domingo de 28 de maio de 1911, a Loja “Templo do Essênio no III”, inicia suas atividades solenemente com uma cerimonia desenvolvida no interior da pirâmide de Kéfren. É o delegado geral, vindo de Alexandria com seis martinistas, quem presidirá a cerimonia de instalação. Em junho D. P. Sémèlas escreveu de novo à Papus para agradecer sua confiança (5). Informa-lhe, também, que já havia sido recebido nos três graus Martinistas e tomado como nome iniciático “Selaït-há” . Segundo D. P. Sémèlas, este nome teria sido “de um grande iniciado egípcio da época antiga sob o regime de Menkeisera ( Miquelinos) sobrinho de Kéfren da IVa dinastia” (6).

Eugène Dupré

O Templo do Essênio é para Selaï-há o palco de um encontro que não tardará em transformar sua existência. De fato, é lá que conhecerá o Sr e a Sra. Duplé, um casal de franceses instalados há pouco no Egito. Eugène Dupré trabalha como cartógrafo para o governo egípcio. Nascido em Paris em 1882, e desde sua juventude apaixonado por desenhos. Em Paris, freqüentou Utrillo, Picasso, Warnod e uma escola rosacrusiana de pintura. A esta paixão acrescentou a do esoterismo, que o levou a frequentar de 1901 à 1902 “A Universidade Hermética” de Papus. Embora tenha encontrado o célebre médico, não solicitou a iniciação martinista por se considerar ainda muito jovem. Apaixonado pelo Egito, instala-se no Cairo para continuar suas pesquisas egiptólogas. Neste local se interessa pelo islã místico e freqüenta os Sufis. Teve também a chance de torna-se amigo de um Brahamane que o ensinou as religiões orientais. Após algum tempo, entrou em contato com os martinistas do Egito e se fez iniciar no final do ano de 1910.Toma por nome iniciático “AdjAmr”. Sua esposa Marie, nascida Routchine, o segue no Martinismo e pede sua admissão a ordem. Em 9 de abril de 1911, Marie torna-se “Séilée”.

Foram os problemas causados por Démosthène Verzato que levaram D. P. Sémèlas a melhor conhecer os Dupré. De fato, Eugène que havia conhecido o Martinismo quando freqüentou a Escola Hermética em Paris, se surpreendeu, porque o Martinismo que praticado pelo Delegado Geral egípcio estava longe do visto em Paris. Realmente, o Delegado geral tinha modificado completamente os rituais Martinistas acrescentando-o elementos tirados de uma péssima franco-maçonaria americana. Eugène Dupré confiou a seu amigo que quando estava em Paris, achou que teria dificuldades para entrar no Martinismo devido aos exames exigidos...mas que surpresa quando descobriu que no Egito os graus se compravam! Os responsáveis pela Loja decidiram informar a Papus da situação. Eugène Dupré, secretário, endereça um relatório detalhado a Paris (7). O Grande Mestre reafirma sua total confiança em seu Delegado Geral, mas assinala que um Inspetor Geral da Ordem iria em breve ao Egito a trabalho e examinaria a situação de perto.


Georges Lagréze

De fato, o Inspetor Geral chegou no mês seguinte ao Cairo. Este inspetor é Georges Lagréze (Mikaël, no Martinismo), artista lírico, que veio para trabalhar alguns meses no Egito. Rapidamente, se simpatizou com D. P. Sémèlas em quem reconheceu um homem honorável. Confidenciou a Papus que Selaït-há fez “muito para a difusão da Ordem Mart:: e [que] é um iniciado de valor” (8). Infelizmente, o Inspetor Geral não pode mais que confirmar as denuncias de Dupré e fez seu relatório à Papus em 29 de outubro de 1911 (9).

Para acalmar as coisas, Lagréze pede à Papus de conceder ao Templo do Essênio sua independência administrativa da Loja “Hermes” . Esta Loja, instalada em Alexandria, sob a direção de D. Verzato coordenava as atividades martinistas para o conjunto do Egito. Esta solução foi aceita pelo Supremo Conselho quando de sua reunião em outubro de 1911 (10). Para evitar um drama, colocaram o Delegado Geral em “banho Maria”, isolando-o de maneira que pedisse a sua demissão. O Templo do Essênio poderia, graças à esta solução, continuar suas atividades no Egito de uma maneira mais serena.

Sob a direção de D. P. Sémèlas, a Loja funciona agora de uma maneira perfeita. D. P. Sémèlas proferiu numerosas conferencias sobre alquimia, psicurgia, magia e a teurgia. Alguns anos mais tarde, algumas destas conferencias serão publicados na revista “Eon” (11). Lagréze, que tinha muita estima por D. P. Sémèlas , pode em janeiro de 1912, dirigir à Papus um quadro otimista da situação da Ordem no Cairo:

“Desde a decisão do Supremo Conselho, a O:: M:: no Cairo, tomou uma nova extensão. Os membros da Ordem são atualmente em número de vinte e cinco contra doze de um mês e meio atrás. Ainda, o irmão Sémèlas e eu fizemos quatro iniciações entre os membros da colônia russa do Cairo, iniciações mantidas secretas [...] Deixarei o Cairo em 12 de março e gostaria de deixar aqui um representante do S:: C:: e pediria se fosse possível de enviar-me uma Carta de Inspetor Especial para o Egito ou para o Cairo ao irmão Eugéne Dupré S:: I:: e igualmente uma carta de honra por serviços prestados a Ordem ao irmão SelaÏt-há, Filósofo Desconhecido da Loja Templo do Essênio”(12). Papus voluntariamente aceita a proposta de seu Inspetor Geral e nossos dois martinistas recebem suas cartas de retorno. (no 340 e no 341, na data de 8 de fevereiro de 1912) (13).

Durante sua estadia no Egito, Lagréze freqüentou regularmente a Loja do Cairo. Destas suas visitas, restou um discurso pronunciado em uma reunião. Este foi publicada pela revista “L’Initiation” em abril de 1912. Para esta publicação, assinou com um pseudônimo que usava com freqüência, “Zagrel” anagrama de seu próprio nome.


A Rosa-Cruz do Oriente

É chegado o momento de D. P. Sémèlas revelar a missão recebida alguns anos antes na Grécia. Esta missão que visava continuar a obra empreendida pelos iniciados do passado, tinha como finalidade transmitir aos homens os princípios de uma via fraternal, de uma verdadeira “fraternidade” (sic). Esta tradição era a da Rosa-Cruz do Oriente. D. P. Sémèlas confia seus projetos a Lagréze. Antes que este último retornasse para França e para agradece-lo de ter colocado ordem no Martinismo do Egito, lhe é conferida a iniciação aos “Irmãos do Oriente”. Assim, G. Lagréze foi consagrado “Aspirante R.C.” A “lenda” de que este último tivesse transmitido por sua vez esta iniciação à Papus, é duvidosa, porque os arquivos que consultei com este objetivo não fazem nenhuma menção a este fato. (14).


Os rituais Martinistas

D. P. Sémèlas trabalhou muito pela Ordem. Desejava restaura-la em sua pureza inicial. Assim sentiu a necessidade de alargar seus trabalhos martinistas, já que os cadernos secretos da Ordem descreviam o simbolismo das iniciações, mas existia somente um único ritual para a abertura e o fechamento dos trabalhos nos três graus. O anuncio, no número de maio de 1911 da revista “Iniciação”, de uma subscrição para os novos rituais estabelecidos por Teder (15), o interessou em particular. Em junho de 1911, solicitou um exemplar (16). Entretanto, D. P. Sémèlas , guiado pelo invisível, compôs ele-mesmo rituais para os trabalhos dos 2o e 3o graus, e para as iniciações e a recepção de um Iniciador Livre (17). Seus rituais foram compostos no espírito dos estabelecido por Papus para o primeiro grau. 

Para diferenciar os trabalhos dos três graus, propôs nomear os trabalhos do primeiro grau “Loja”, os do segundo “Assembléias” e do terceiro “Conselho”. Selaït-há (D. P. Sémèlas ) envia seus rituais à Papus solicitando sua correção. Papus aprova os textos e lhe retorna as cópias com sua assinatura em maio de 1912. Estes rituais serão por sua vez utilizados por várias obediências martinistas, e é interessante de observar que são muito próximos dos adotados pela O:: M:: T::.

A Loja Memphis

O número de membros passa a quarenta e cinco. Tornando-se necessário criar uma Segunda Loja. Em 24 de março de 1912, a nova Loja abre suas portas sob a direção de G. Lagréze. Esta recebeu o nome de “Memphis” (18). O acontecimento é anunciado no mês seguinte na revista “L’Initiation”. Pouco depois, é Dupré quem toma a direção. O brilho do Martinismo egípcio não tinha limite. Um martinista que havia sido iniciado por Selït-há, se propôs de abrir em Londres uma filial do Templo do Essênio. Papus autorizou em 1913 esta criação colocando-a sob a dependência do Egito (carta no 399, em nome de John S.).


O Crisma

Diante da evolução das coisas D. P. Sémèlas confia seus projetos à Papus. Em uma carta confidencial, datada de 26 de abril de 1912, sonda o Grande Mestre questionando-o a propósito de um símbolo caro aos “Irmãos do Oriente”, o Crisma, que figura no cabeçalho das cartas martinistas. D. P. Sémèlas lhe confia ser portador ele-mesmo deste símbolo sobre seu peito há quatro anos. Este símbolo foi lhe confiado por seu Mestre e se Papus é um deles, desejaria falar-lhe “dos perfumes deliciosos emanados da Rosa e dos mistérios escondidos no selo da Cruz” (19).

Nós ignoramos a resposta de Papus, entretanto em uma carta seguinte, Sémèlas, o agradece por sua resposta que o interessou vivamente. Nesta carta, observa a analogia que constatou entre os seis braços do Crisma, e os seis pontos martinista e a estrela de seis braços do Pantaculo martinista. Esta carta é assinada “vosso irmão em (figura abaixo)” (20).Devemos compreender por esta que Papus teria respondido ao apelo misterioso de D. P. Sémèlas ?


O novo Delegado

No meio do ano de 1912, Démosthène Verzato, enfim pede demissão e Papus desejaria ver D. P. Sémèlas substitui-lo. Este último sabendo-se chamado à uma outra missão não pode aceitar sua proposta. Recomenda para este posto a condensa Olga Delebeden, uma Martinista que o próprio havia iniciado (21). Papus aceita, mas malgrado tudo lhe atribui uma carta de Delegado Especial e de Delegado Geral para o Egito (no 394 e 398).

Em novembro de 1913, D. P. Sémèlas anuncia à Papus que confiou a presidência dos trabalhos do grau Associado da Loja “Templo do Essênio” ao diretor da repartição técnica suíça do Cairo, Léon Charles Oltramare. A Loja conta agora com mais de quarenta e cinco membros. É perfeitamente enfeitada e decorada cor um véu vermelho ornado do Labarum. Anuncia igualmente a preparação de uma série de conferencias sobre a quiromancia (22). A O:: M:: se conduz maravilhosamente no Egito. Infelizmente, uma sombria nuvem se levanta no horizonte, a “Grande Guerra”. A última carta que D. P. Sémèlas expediu à Papus à partir do Cairo é relativa à uma misteriosa mensagem, sua “segunda comunicação à França”, que pede para faze-la chegar à Clemenceau. Anuncia igualmente que lhe expedirá proximamente um relatório sobre a ação dos R. + C. no Oriente e no Ocidente, “relatório que será útil à França política e oculta”(23).

O Lis e a Águia

A guerra estoura em 1914 e Dupré é mobilizado. Retorna à França para servir na companhia 20/28 do regimento do 1o Gênio em Versalhes. D. P. Sémèlas não tardou em juntar-se a ele na França. É um pouco antes de deixar o Egito que seus projetos iniciáticos se precisam. Desde alguns anos havia descoberto na esposa de Dupré seu alter ego. Todos dois são portadores de faculdades psíquicas pouco ordinárias e amam compartilhar suas experiências dos mundos invisíveis. D. P. Sémèlas lhe revela que segundo a tradição eoniana dos “Irmãos do Oriente”, ele encarna o princípio do “Déon” e que própria incarna o do “Déa”. Quando estiveram os dois na pirâmide de Kéfren, viveram juntos uma experiência particular marcada pelo encontro de um misterioso desconhecido, o Sheik S. (sic).

Esta experiência teve lugar por volta de 21 de fevereiro de 1914. Desta maneira nasceu o projeto de fundar a “Ordem do Lis e da Águia” criada de fato no início do ano de 1915. Contrariando ao admitido geralmente, não foi Déon quem fundou esta Ordem mas Déa, isto é Marie Dupré. Somente após a guerra, em 1918, e algum tempo após a morte de Déa, que a Ordem começou realmente a existir. Esta Ordem não visava essencialmente ao desenvolvimento pessoal de seus membros, mas tinham um ideal social. Sua finalidade seria de trabalhar pela realização de uma fraternidade universal, baseada sobre três princípios fundamentais: a Fraternidade, o Amor e a Reciprocidade.

Os Projetos com Papus

Em 1915, D. P. Sémèlas instalou-se em Paris. Finalmente encontrou-se com Papus e uma estima recíproca ligou rapidamente os dois homens. Em 1916, Papus tenta concluir um protocolo de acordo com o Rito Escocês Retificado (RER), herdeiro da Ordem fundada outrora por Jean-Batiste Willermoz, mas o projeto não avançava. A R.E.R. após seu adormecimento na França em 1841, foi reentroduzida (junho de 1910), por Camille Savoire, Eduard de Ribaucourt e o Dr. Bastard. Em setembro de 1916, Papus desejava encontrar um solo harmonioso com a R.E.R. e pede a D. P. Sémèlas para tomar em suas mãos as negociações. Com esta finalidade, concede-lhe uma carta de representação. Sémèlas se dedicou ao máximo á esta tarefa. Em 11 de setembro encontra o representante da R.E.R., Maxime Macaigne. A tarde mesmo, um almoço com Edouard de Ribaucourt permitiu colocar as coisas claramente (24) e em 25 de setembro, D. P. Sémèlas anunciava feliz à Papus o resultado positivo de suas negociações (25). Estavam decididos de criar no seio do Martinismo um Grande Capítulo unicamente composto de martinistas maçons de maneira a constituir um liame com a R.E.R (a guerra impediu a realização deste projeto).

Em 25 de setembro, D. P. Sémèlas é recebido na Ordem Cabalista da Rosa-Cruz. Papus lhe remete um diploma de Doutor em Cabala (no 49). A título excepcional, recebe esta distinção sem exame. Nesta época a OKRC estava moribunda. Segundo Eugène Dupré, Papus visaria, graças à Selaït-há, restaura-la segundo a tradição clássica Oriental. Uma colaboração entre a Ordem do Lis e da Águia e a O:: M:: foi mesma entrevista. Infelizmente, Papus faleceu em 25 de outubro de 1916 e as coisas permaneceram em estado de projeto. As querelas da sucessão após a morte de Papus impediram sua continuidade. Victor Blanchard será favorável ao projeto mas nesta época estava muito absorvido pela Ordem dos Polares ( L’Ordre des Polaires) para se ocupar com estas questões.


O G.I.E.M.

Após a guerra, numerosos Martinistas do Egito foram para a França e não desejando tomar partido nas querelas sucessórias entre Blanchard e Jean Bricaud, preferiram trabalhar entre eles enquanto esperavam as coisas se acalmarem. Assim nasceu na França o “Grupo independente de Estudos Martinistas” (GIEM). Devido estas circunstâncias D. P. Sémèlas reabre o “Capítulo I.N.R.I.” despojando-o de seus aspectos maçônicos para trabalhar o Martinismo em toda sua pureza. 

Entretanto, lhe dará uma coloração muito particular. Aos três graus martinistas, acrescentará o “Rito dos S::I::” . De fato, tinha a convicção que a Ordem misteriosa do qual Martines de Pasqually era apresentado como um dos sete chefes, seria a Ordem dos “Sete Soberanos Desconhecidos” , uma emanação da R+C do Oriente. Segundo D. P. Sémèlas, esta Ordem teria sido criada em 1054 por Photius, o Patriarca de Constantinopla e organizada em 1090 por Alexis Comnéne, um dos ancestrais fundadores da Ordem do Lis e da Águia.


Os S:: I::

Para D. P. Sémèlas, Saint-Martin por seu trabalho individual teria sido ele próprio levado para esta Ordem invisível cuja uma das características seria a de não ter nenhuma estrutura material ou administrativa. Retomando certas afirmações de Papus concernente ao misteriosos “Agente Desconhecido” que teria ditado seus ensinamentos a Saint-Martin (26), este sustentaria que Saint-Martin teria resgatado e vivificado a doutrina do Ordem dos Soberanos Desconhecidos em 1793. 

Esta opinião, por mais sedutora que possa ser, não repousa sobre nenhum elemento histórico, mas conheceu um certo sucesso entre os Martinistas. D. P. Sémèlas restaura os ritos dos Soberanos Desconhecidos (que constitua um aspecto particular da Ordem do Lis e da Águia), e o “rito dos S:: I::” , virá sobrepujar a hierarquia do GIEM. Este grupo permanecerá marginal e sobreviverá com muita dificuldade.

Eon

A partir de dezembro de 1920, Sémèlas inicia uma série de conferências em Paris onde a revista “o véu de Ísis” fará o eco. Em 1924 a Ordem do Lis e da Águia cria sua própria revista, “Eon”. Eugène Dupré, que era apaixonado pelos trabalhos de Saint-Martin consagrou uma longa série de artigos à propósito do “Tableau Naturel” (Quadro Natural), e para facilitar o estudo deste difícil texto, condensou o pensamento de Saint-Martin sob a forma de teoremas. Igualmente, tentou apresentar uma síntese sob a forma de desenho, à maneira dos arcanos do tarô (27). 

O Martinismo possuía um lugar preferencial na revista “Eon”. René Desmoiret, o secretário de Teder, escreveu igualmente alguns artigos. A morte de D. P. Sémèlas, em 6 de agosto de 1924, devido à uma tuberculose, interrompeu provisoriamente as atividades do GIEM. Eugène Dupré, que teria retornado ao Egito após a guerra, foi muito afetado por este desaparecimento que se soma ao de sua esposa Marie, falecida em 30 de janeiro de 1918. 

Em 1928, retorna definitivamente à França para repreender a direção da Ordem que havia se dispersado. Forma então um pequeno grupo de estudo de filosofia social e edita a revista “justiça e verdade” de 1931 à 1935. Este pequeno grupo não viverá longo tempo e somente as atividades da Ordem do Lis e da Águia sobreviverão nos locais instalados no Pré-Saint-Gervais.


A Chaboseau

Entretanto em 1931, ocorreu um acontecimento no Martinismo. Augustin Chaboseau, ajudado por alguns antigos colaboradores de Papus restauraram um Martinismo “tradicional”.

Eugène Dupré decidiu entrar em contato com a O:: M:: T::. Alguns anos mais tarde, uma colaboração estreita é visado entre o GIEM e a OMT, porque Dupré, desejando manter a particularidade de seu grupo, pensaria em coloca-la sob a obediência de Augustin Chaboseau. A partir de 1939 e durante uma parte da guerra de 1939-45, Dupré e Chaboseau encontraram-se várias vezes. Chaboseau se interessou de perto pela Ordem do Lis. Com Eugéne Dupré, um acordo de equivalência de graus é decidida entre as duas Ordens. O grau de S::I:: do Martinismo é fixado ao equivalente ao de “Comendador” da Ordem do Lis (4o grau). Os reencontros deram lugar a numerosas trocas. Jean Chaboseau estudou com atenção os escritos de D. P. Sémèlas e mais particularmente um estudo sobre o Tarot, cujos alguns elementos serão utilizados em seu livro sobre este tema (28). Dupré confia a Jean Chaboseau a intuição de D. P. Sémèlas concernente a origem das idéias de Martines e de Saint-Martin encontrarem-se na Ordem dos Soberanos Desconhecidos. 

Jean Chaboseau acaba seduzido pela hipótese. Infelizmente, ele a resumirá muito desastradamente em um pequeno texto que será publicado em 1946 no livro de Robert Ambelain (29). Transformando a Ordem dos “Soberanos Desconhecidos” em “Filósofos Desconhecidos” e estabelecendo uma filiação através da “Sociedade dos Filósofos Desconhecidos” do Cosmopolita, de Jacob Boehme e Rodolphe Salzmann dos quais, aparentemente, Sémèlas e Dupré não teriam falado. G. Lagréze, por sua vez, transmite esta versão à Ralph Maxwell Lewis que a transcreverá no “Rosicrucian Digest” em 1940 (30). 

Mais tarde, em 1955, no No 2 da revista “L’Initiation”, Jean Chaboseau emendará seu texto, em uma versão mais próxima daquela de D. P. Sémèlas que liga as origens do Martinismo ao Imperador Constantino. Esta lenda, tanto como a do “Agente Desconhecido” imaginado por Papus, terá infelizmente longa duração e até pouco tempo, muitos martinistas ainda lhe davam crédito (31).

A  F.U.D.O S.I

Os projetos comuns da OMT e da Ordem do Lis e da Águia permaneceram infelizmente sem aplicação pois as duas Ordens entraram “oficialmente” em inatividade devido as perseguições do governo de Vichy.

Eugéne Dupré desapareceu durante um bombardeio, em 12 de junho de 1944 em Epernon. Algum tempo mais tarde, foi Auguste Chaboseau quem faleceu em 2 de janeiro de 1946. Em fevereiro de 1936, a FUDOSI teria adotado os rituais de Selaït-há, como “rituais universais das lojas e círculos martinistas” (32). Dupré, apesar de solicitado, recusou participar das atividades da FUDOSI que julgava pouco séria. Portanto, após a guerra, quando de sua Convenção secreta de 22 de julho de 1946, a FUDOSI lhe rendeu homenagem, qualificando-o de um nome que jamais usou: “Sâr Lilium”.

Como podemos constatar, Démétrius Platão Sémèlas (Selaït-há, Déon) e Eugène Dupré (Adj’Amr) foram dois servidores devotados do Martinismo. Seu papel na evolução do Martinismo de 1912 à 1944 está longe de ser negligenciavel. Sem por isto subscrever todas suas inovações, devemos render homenagem a estes dois homens que permitiram o reencontro do Pentáculo e do Lis.
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***  Traduzido por Peseudo-Sedir da revista “Le Pantacle” No 4, janeiro de 1996.

Notas:

1) Os documentos sobre o Martinismo no Egito estão classificados no dossiê ms 5490-34, do “fundos Papus” da Biblioteca Municipal de Lyon. Durante este artigo esta referencia será assinalada pela abreviatura F. P.BML.

2) Carta de A Souter à Papus, F. P.BML., ms 5490-34-1 e 5490-34-2.

3) Carta de J. Costet, F. P.BML. 5490-33-6.

4) Carta de Sémèlas à Papus, F. P.BML. ms 5486-9.

5) “L’Initiation”, julho de 1911, p. 25, reproduz um discurso pronunciado por Selaït-há.

6) Carta de junho de 1911 à Papus, F. P.BML., ms 5486-9

7) Segundo este relatório (F. P.BML., ms 5486-9), D. Verzato pedia 78F para a iniciação ao 1o grau, 28F para o 2o e 3º . O certificado de iniciação seria vendido a 12F e todo documento que tivesse o selo da Loja-Mãe “Hermes” seria taxado em 3F ( a titulo de comparação, precisamos que a assinatura anual da revista “L’Initiation” custava nesta época 12F). N. do T. : hoje esta assinatura esta em torno de 250F.

8) Carta de Lagréze à Papus, F. P.BML., ms 5488-125.

9) Ver F. P.BML., ms 5488-125.

10) Ver carta de Papus de 14/10/1911, F. P.BML., ms 5488-125.

11) Ver “Eon”, 3-4 de julho-agosto de 1923; 7-8 de nov.-dez. de 1923; 9-11 de jan.-març. De 1924; 12-14 de abr. – jun. de 1924; 15-16 de jul.-ag. De 1924; 17-18 de set.-out. de 1924.

12) Os dirigentes de uma Loja na época de Papus recebiam o título de “Filósofo Desconhecido”, Ver a carta de Georges Lagréze, F. P.BML., ms 5488-125-1.

13) Sobre este ponto, ver a revista, “L’Initiation”, no 7 de abril de 1912.

14) Robert Ambelain julgará diversamente Sémèlas em suas obras. F. P.BML., Ver “Le Martinisme contemporain et ses véritables origenes”, pp. 13. Em “Les Templiers et les Rose-Crix, pp. 64 precisará: “antes de 1916, dois homens somente a possuíam na França, Lagréze, que recebeu no Cairo e Papus, à quem ele transmitiu [...], Ver também, “Le Sacramentaire des Rose-Crix”, pp. 16.

15) Anunciado na “L’Initiation” no 8, maio de 1911, p. 178. Apresentado como escrito segundo os “arquivos secretos da Ordem, os cadernos de Papus e as fórmulas ritualisticas de Sedir”, foram estabelecidas pelo Dr. Blitz, afastado da Ordem em 1902. Estes rituais muitos maçônicos foram recusados por vários martinistas, inclusive A Chaboseau.

16) Ver carta de Sémèlas à Papus de 14 de maio de 1912, F. P.BML., ms 5486-9.

17) Ver carta de Sémèlas à Papus de 14 de maio de 1912, F. P.BML., ms 5486-9.

18) “L’Initiation”, No 7 , abril de 1912.

19) Carta de 26 de abril de 1912, F. P.BML., ms 5486-9.

20) Carta não datada, F. P.BML., ms 5486-9.

21) Carta de 13 de junho de 1912, F. P.BML., ms 5489-9.

22) Carta de 1o de novembro de 1913, F. P.BML., ms 5486-9.

23) Carta de 13 agosto de 1914, F. P.BML., ms 5486-9.

24) Sémèlas recebeu em 7 de setembro de 1916, uma carta (No xsmls/23) assinada por Papus. Ver carta à Papus de 11 de setembro (?),F. P.BML., ms 5486-9.

25) Carta à Papus de 25 de setembro de 1916, F. P.BML., ms 5486-9.

26) Sobre este ponto ver “Pentáculo” No 1, “O Agente Incógnito”, AMORC.

27) Somente os teoremas 1 à 28, concernente aos sete primeiros capítulos foram publicados, ver “Eon” No 1 à 20.

28) “Le Tarot, essai d’interptétation selon les principes de l’hermétisme”, Paris, 1946, Niclaus.

29) “Le Martinisme”, pp 97 e 172-174. Este tema foi retomado em “Le Martinisme contemporain et ses véritables origenes”, pp. 9 à 13.

30) “Rosicrucian Digest”, fevereiro de 1940, vol. XVIII, No 1, pp. 27.

31) Sobre este tema ver o estudo de Robert Amadou “Le Philosophe Inconnu et les Philosophes inconnus”, les cahiers de la Tour de Saint-Jacques, No VII, 1961, pp. 65

32) Carta de Jean Mallinger à H. Spencer Lewis de 16/02/1936.

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