A nossa
mente interior está em constante relação com os mundos
invisíveis; nós não nos apercebemos disto porque nos falta o instrumento transmissor. É preciso então tornar este
registro mais fácil e mais extenso.
Aqui vão dois métodos.
O primeiro é exterior: recomenda
uma série ou séries de exercícios graduados que, apoiando-se num
conhecimento mais ou menos verdadeira da
máquina humana, harmonizam o seu
funcionamento e subtilizam as
suas sensibilidades. Aqui tudo depende da ciência do treinador; facilmente se cometem erros ao manipular
organismos tão delicados e complexos. As desordens mais graves e mais tenazes
podem suscitar por uma falta de diagnóstico, por uma hora mal escolhida, por um
excitante mal dosado, por uma falsa
correspondência.
Sabemos ao que uma droga deve a sua
virtude? O seu uso pode ligar o
nosso sistema nervoso a poderes
desconhecidos; conhecemos as terríveis conseqüências da morfina, da cocaína,
dos licores alcoólicos. E todas estas substancias não trazem uma força nova; a sua ação é
simplesmente despolarizante; elas
retiram fluido de um ponto do corpo para
coloca-la num outro, de modo que o experimentador imprudente vê a sua saúde
tornar-se precária e sua vontade impotente para governar os impulsos
irresistíveis de seu ser vegetativo.
As mesmas críticas podem ser formuladas quanto a estas
receitas pueris que a superstição popular emprega: comer maça com certos ritos,
escrever nomes bárbaros sobre fitas, isso parece inofensivo. Mas é possível que
uma imaginação aventurosa ou uma vontade fraca abram as portas a sugestões
pouco sãs ou maníacas.
Quanto ao rito mágico propriamente dito, seja qual for o proveito que
dele desejamos extrair, os inconvenientes existem na mesma medida. Incerteza
quanto à qualidade do resultado obtido, risco de ilusões, dolo provável,
violências exercidas contra certos
invisíveis, obrigações contraídas
inconscientemente com outros invisíveis, desobediência à lei divina,
desequilíbrio pessoais podendo se estender ate
a doença física – tais são, em resumo, os escolhos contra os quais se
despedaça a fortuna do magista.
Dirigir-nos-emos a estas escolas mais sábias e mais serenas, onde o
aluno, após haver alcançado o domínio
do seu corpo físico, empreende o controle de
seu corpo fluídico pelas observâncias
respiratórias, e de seu corpo mental pela concentração ? Se ele obtém
sucesso neste gênero de trabalho e se os frutos que ele recolhe parecem mais nobres, mais sãos e mais
duráveis, é porque sua cultura tem necessidade
de morticínios!
Restringir a respiração é aumentar a quantidade de sangue venoso. É,
portanto, estancar a marcha evolutiva de uma multidão de glóbulos; é diminuir
as trocas orgânicas; é sair um pouco da vida
animal.
Concentrar a atenção num
monoideísmo constante é construir diques contra os fluxos da associação
de ideias. Mas sabemos nós, se a imagem mental que escolhemos para o exercício
não é menos importante ou menos necessária do que quaisquer das outras que deliberadamente rejeitamos
?
Por outro lado não se atinge
estas duas unificações, a dos fluidos e a das idéias, sem uma espécie de
vampirismo exercido sobre o meio eletro-telúrico e sobre o meio mental, análogo ao exercido por um
financista muito hábil, que sabe atrair o dinheiro para os seus ativos. Isto é
algo como se apropriar de algo que não é nosso e que exigirá um acerto de contas
no futuro, sem ter proporcionado no
presente uma certeza sã e cabal.
O buscador prudente recusará então todos estes procedimentos de um
artifício mais ou menos curioso, e se aterá a algumas regras de puro senso, tais como, por
exemplo, as que submetemos ao exame do leitor.
Deve-se preparar uma noite reconfortante a partir de um dia são e
interiormente sereno. A inquietude prejudica
o sono. É verdade que nem sempre podemos domina-la inteiramente. Para viver de maneira sã é preciso ter um
ideal, e para viver de maneira santa, é necessário o mais elevado dos
ideais. Da mesma forma que um
trabalhador probo pode nutrir o seu corpo com mais higiene, aquele que
vive segundo um ideal torna-se um
centro atrativo de forças, de
substâncias, de sentimentos e de vontades.
Ora, um ideal, seja qual for, é uma criatura viva. Ele necessita, como
toda criatura, de alimentos corporais, afetivos e intelectuais. Quanto mais elevado, mais distante desta terra; mais a
sua evocação demanda
esforços.
É preciso, então, inicialmente, concebe-lo de maneira pura, em seguida
nutri-lo de maneira sã,
e depois encarna-lo com uma devoção séria, atenciosa,
profunda e permanente. Esta é a mais bela das Grandes Obras.
Ademais, isto se opera naturalmente, pois a natureza é benigna desde
que nos atenhamos à constância. É
preciso nada se permitir, nenhuma atitude, nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum
movimento interior, nenhum ímpeto, nenhuma parada que não estejam conformes ao
objetivo visado. Para isto, não é necessário manter-se fora da vida comum,
muito pelo contrário, pois os temas mais imperiosos dos nossos deveres estão na
família, no trabalho, na função social.
São essas observâncias que mantêm o nosso mental sadio, que nos
conservam em equilíbrio, e que fazem
avançar mais rapidamente o nosso espírito.
Tal é a regra fundamental da qual dependem todas as prescrições
detalhadas.
Vejamos como adapta-la ao objetivo que nos propomos: ter sonhos
verdadeiros, claros, instrutivos e dos quais nos lembremos.
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O coração humano vive no plano onde quer viver. Se for de avareza, fisicamente, ele viverá no reino
espiritual da avareza. Se ele tem
o hábito da mentira, da fraude, da
dissimulação, a mente se tornará organicamente incapaz de perceber
a verdade, seja de que tipo for. Para ter sonhos verdadeiros é preciso
então, por uma prática constante,
transformar em si as tendências à
falsidade e à mentira, em atos de
conformidade com os sentimentos,
em sentimentos submetidos ao exame
da consciência, em pensamento que sejam
deduções justas dos sentimentos.
É preciso ter o hábito de não
ter outro querer secreto que não seja o que exprimimos pela palavra e pela
ação. É preciso cumprir suas promessas. É preciso saber ser
discreto sem ser dissimulado.
Assim, se fizermos de nossas forças físicas as obreiras de um coração que só
quer a verdade; de nossas forças intelectuais a dianteira destas realizações
sadias, todo o nosso ser se tornará um imã atrativo para o ideal ao qual
oferecemos, deste modo, um culto de todas as horas. E este ideal desce até nós através
dos espaços interiores; ele nos trata, nos conforta, nos restaura de nossas
fadigas e recria, por assim dizer, todas as energias, até as do corpo de carne.
E não traindo a confiança de
nenhuma criatura visível, nenhuma
invisível poderá trair a nossa. Nossos sonhos
tornam-se verídicos.
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A nitidez de nossos sonhos depende das condições fisiológicas
materiais e espirituais.
É necessário que o agente invisível disponha de força nervosa em
quantidade suficiente; por conseguinte,
na refeição da noite ingerir somente alimentos leves e digeríveis; excluir os excitantes;
deitar-se o mais cedo possível para que o repouso físico,
quase completo à meia noite, deixe o cérebro livre por volta de uma ou duas
horas da manhã.
É sempre mais sadio levantar-se bem cedo do que ir dormir tarde.
É preferível que a cama esteja com a cabeceira voltada para o norte ou
para o leste. A cor das pinturas e dos
tecidos do quarto de dormir tem sua
importância. O branco é saudável, mas dispersivo; o vermelho é muito excitante;
o marrom é pesado. É melhor escolher, de acordo com seus gostos pessoais, os
tons de cinza, amarelo, verde ou azul. Nem a nogueira nem o carvalho são recomendáveis.
Se a opção for uma cama metálica, escolher o cobre.
Não devemos manter a luz acessa durante o sono; se não pudermos
dispensa-la, coloca-la num quebra-luz violeta ou malva, ou atrás de uma cortina para que os seus raios não incidam sobre a cabeça
do adormecido.
Seria prudente não dormir com a janela aberta, contanto que o quarto seja bem arejado durante o dia. Se
não pudermos dormir num lugar
fechado, colocar uma cortina diante da janela.
Manter no quarto o mínimo possível de objetos de metal. Se os esposos têm
cama comum é melhor que não mudem de lugar para conservar a direção dos
intercâmbios magnéticos. (1)
Se as noites forem agitadas, servir-se do odor da madeira ou do
gengibre, excluindo-se qualquer outro perfume.
Aqui vão, agora, algumas precauções psíquicas.
Que a inteligência seja lúcida durante a vigília; ela continuará a
sê-lo durante o sono. Trata-se, portanto, de possuir plenamente o que chamamos
de presença de espírito. E para isto exercitar-se da seguinte maneira:
1. Pensar numa coisa de cada vez: isso demora; é preciso calma,
paciência; compreenda que a verdadeira
força é tranqüila e não agitada; traga
lentamente a atenção para o trabalho em curso; não se apresse, o tempo
será recuperado mais tarde;
2. Exercitar-se em mudar cada
vez mais rápido de atividade; em distinguir numa vista d´olhos
um grande número de objetos, ou detalhes
de uma roupa, de uma estante, as particularidades de uma rua; aprender a ver, a observar com precisão.
3. Cuidar para manter o sangue
frio diante de um caso fortuito, de um acidente; para ter sempre prontos e a palavra e o gesto justos.
O hábito assim adquirido
de possuir-se plenamente confere
à vontade um poder de controle ao qual ela não renunciará mesmo durante o sono, o que evitará que sejamos máquinas passivas e nos permitirá mover-nos em sonho, tomar
decisões, falar, agir. Todo um mundo desconhecido se abrirá diante de nós, todo
um vasto campo de possibilidades cativantes,
de energias até então embrionárias se
desenvolverão em nós; a Natureza
assumirá uma nova significação, e o nosso ser total encontrar-se-á
modificado, esclarecido, dinamizado.
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Vimos no capítulo precedente quais são as fontes dos nossos sonhos. De
fato, como já explicamos, durante o sono só vemos as
paisagens do país em que habita o homem
interior(2). São, por
conseguinte, as predileções deste último que devem ser melhoradas; é para o
socorro pessoal que nos envia a Providência
viva, por intermédio dos seus
agentes visíveis e invisíveis, que é necessário
torna-lo atento.
Pois a lei das atrações
que rege a ordem física governa ainda a
ordem hiper-física. O homem interior persegue igualmente no invisível os
desejos que tentamos realizar na matéria. A paixão dominante busca
satisfazer-se com tanto ardor no sono
quanto na vigília.
Por conseguinte, deve-se tomar as seguintes precauções:
1. Antes de deitar-se, tomar fôlego, se é que podemos dizer assim;
uma recapitulação clara e concisa do dia
permitirá avaliar o progresso ou o recuo,
quanto à noite que começa, a oração dominical contém todos os
agradecimentos e todas as
solicitações úteis, já que
nosso pão material é
assegurado quando o
trabalhamos; é o pão da alma que urge ganhamos. Durante o dia é o
esforço, a provação e o sofrimento
que no-lo garantem; no sono, é o sonho;
2. É preciso então, por alguns minutos, esquecer os seus problemas, os
seus sofrimentos, entrar com um desejo profundo e simples no amor de Deus e na
mente do Mestre sempre presente; pedir-lhe a luz, e o meio de compreendê-la, o favor
de lembrar-se dela e a força de
expandi-la: pois, repito, o sonho pode
nos instruir e também nos permitir prestar serviço a alguém;
3. Manter-se interiormente no maior abandono possível de si mesmo e de
tudo que a nós se refere, a fim de
deixar a porta aberta ao imprevisto do
Alto, ao impossível humano, ao possível
divino;
4. Em último lugar, se prometemos rezar por um doente ou por um amigo
que sofre, é preciso faze-lo apesar da própria
fadiga. Quando, além disso, o trabalho do dia foi muito duro, o Pai não
exige longas orações: um ímpeto do coração basta, se bem que seja melhor formulá-la
em voz alta.
As precauções descritas acima serão de grande valia para lembrar-se
dos sonhos.
Quanto mais puro for o nosso coração, mais ardente será o nosso desejo
de luz, e quanto mais o nosso interior confia
em Deus, mais vívidas serão as impressões
noturnas.
Mesmo assim, aquele que se inicia nesta prática deve manter perto de
si um lápis e papel; é possível, com um pouco de energia, despertar alguns
segundos para anotar uma palavra sobre o sonho que acaba de ter. Em todo caso,
é necessário, ao levantar-se, fazer um esforço de memória, calmo e tranqüilo,
para escrever num registro que conservaremos, tudo o que lembramos ter vivido durante a noite
que termina. É necessário mencionar tudo, mesmo os detalhes mais imprecisos;
uma palavra pode permitir a
reconstituição de uma cena. Por vezes há sonhos em dois ou três planos que se imbricam, se desdobram
e se reúnem em seqüência.
Será bom, logo ao abrir os olhos, nos proporcionarmos
alguns minutos de calma rememoração, durante os quais, por
menos afeito que esteja o cérebro, as lembranças chegarão vívidas e precisas.
Nota:
1. Se este texto tivesse sido escrito hoje, com certeza, os celulares
presentes na cabeceira da cama seriam incluídos nesta lista (N. de
Pseudo-Sedir).
2. Grifo nosso (Pseudo-Sedir).
** Escrito originalmente em 1901. Retirado da Revista “L´Initiation” N. 1, 2001
(versão em português publicado pela editora Gnosis, RJ). Tradução da
editora Gnosis.