quarta-feira, 1 de setembro de 2021

MELQUISEDEQUE E O CRISTO

 Estamos publicando esta resenha como uma singela homenagem ao nosso saudoso amigo Sebastião Geraldo Breguez. SB era o representante no Brasil dosAmitiés Spirituelles”, Associação fundada pelo grande Mestre Paul Sedir e ainda ativa em Paris; Além de martinista, possuía sérias linhagens budistas. Na vida profana era jornalista (correspondente internacional), escritor (especialista em folclore) e professor universitário em Belo Horizonte (MG). Breguez faleceu em 2018. Possa sua Rosa florescer sobre sua Cruz!

                        MELQUISEDEQUE E O CRISTO

                                                           Por Sebastião Breguez

 Desde a Antiguidade, a figura misteriosa do Rei de Melquisedeque esteve presente na meditação de sábios do Cristianismo, do Judaísmo e mesmo do Islamismo. Na Bíblia, o nome Melquisedeque está assinalado três vezes. Na Gênese (Cap.14), Melquisedeque é Rei de Salem - talvez Jerusalém -e Sacerdote do Deus Altíssimo.

O texto bíblico fala de seu histórico encontro com Abraão. Sua importância está bem assinalada por São Paulo na famosa Epístola aos Hebreus na qual está escrito que a Jesus Cristo foi dito: "Tu és Sacerdote para a Eternidade, segundo a Ordem de Melquisedeque". São Paulo também se refere ao conhecido Salmo 110 que se exprime muito claramente quanto à grandeza e à função sacerdotal do Messias. Não se trata de um sacerdócio comparável ao dos Levitas, mas de uma função sacerdotal eterna exercida por aquele que está sentado à direita de Deus.


Melquisedeque, que é "sem pai, sem mãe, sem genealogia, que não tem nascimento nem morte" (HEBREUS, 7,3) é ele o Cristo? Afinal, quem é, na realidade, esta enigmática figura bíblica?

Estes são alguns dos objetivos da pesquisa do historiador francês, Jean Tourniac, publicada em livro, na França, com o título MELQUISEDEQUE E A TRADIÇÃO PRIMORDIAL (1). A obra é o resultado de uma tese de doutorado na Universidade de Rennes. O estudo está dividido em cinco partes. Na primeira, o autor trata de Melquisedeque e a tradição primordial na obra de René Guénon. Na segunda, ele analisa o papel de Melquisedeque no Judaísmo. Em seguida, apresenta Melquisedeque no Islã. O quarto capítulo mostra a importância de Melquisedeque no Cristianismo. Finalmente, analisa o tema Melquisedeque e a iniciação sacerdotal.



 A tradição judaica-cristã distingue dois tipos de sacerdócios. Um, segundo a Ordem de Aarão, e a outra segundo a Ordem de Melquisedeque. Esta última ‚ superior à primeira, assim como Melquisedeque pertence a uma hierarquia superior à Abraão, da qual surgiu a tribo de Levi e, por consequência, a família de Aarão. O sacerdócio de Melquisedeque
é considerado como uma 'prefiguração' mesmo da Eucaristia cristã. Vejamos o texto bíblico que trata do assunto: "E Melquisedeque, Rei de Salem, trouxe o pão e o vinho, ele é Sacerdote do Deus Altíssimo" (GÊNESE,14,19

Melquisedeque é também Rei e Sacerdote, seu nome significa "Rei da Justiça" e, ao mesmo tempo, "Rei de Salem", ou seja da 'Paz'. Seus atributos, como Rei da Justiça são a balança e a espada, os mesmos do Anjo Michael, considerado como Anjo da Espada, da Justiça e do Julgamento. Encontramos também nos escritos sobre os Essênios (ver os Manuscritos do Mar Morto) referência ao Mestre da Justiça, que é normalmente associado ao mito do Julgamento Universal e do Messias Militar e Político (que aparece na Humanidade no final de um ciclo e começo de outro e que está também associado ao mito do Armagedom, ou Guerra Santa, de que trata as Escrituras).

A significação mesma do papel e da importância de Melquisedeque na Sabedoria das Idades, principalmente, no Esoterismo Cristão é vista de formas bem particulares. Assim, Mestre Eckartshausen em A NUVEM SOBRE O SANTUÁRIO, vê nele um "instrutor da verdadeira substância de Vida e na separação desta substância do veículo mortal que a aprisiona". Jacob Boheme, o místico sapateiro alemão e brilhante kabalista, fala de Melquisedeque como o equivalente do próprio Cristo: o sacerdote do Altíssimo é a própria figura do Cristo. Os mestres franceses Martinez de Pasqually e Louis Claude de Saint- Martin também fazem alusão a este personagem pouco conhecido da massa, mas que os estudiosos esotéricos consideram como Deus entre os homens. Também escreveram sobre o Sumo Sacerdote de Deus, entre outros, Joseph de Maistre, Anne Catherine Emmerich, Jakob Lorber, Saint-Yves d'Aveydre, sem falar do grande esoterista francês e que é leitura fundamental dos maçons europeus, René Guenon, que deixou uma vasta obra de uma profundidade sem igual. Também Sedir, este estudioso francês que junto com Papus (Dr. Gerard Encausse) criou em Paris a Universidade de Magia Prática (início do século XX) e que depois abandonou o ocultismo para se dedicar a difundir uma nova interpretação esotérica dos Evangelhos, escreveu: "Atrás de Moisés, encontramos o Sacerdote sem pais humanos, o Rei de Justiça, Melquisedeque, filho do Sol...Por Melquisedeque e Moisés chegam aos mortais, as bênçãos divinas que curam os seus males espirituais".

Enfim, o livro de Jean Tourniac é de extrema importância para acabar com a antiga discussão sobre a verdadeira origem das grandes religiões da Humanidade: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Todas as três têm uma origem comum e uma mesma fonte: o patriarca Abraão, que, após vencer os inimigos de Deus numa guerra santa, foi abençoado pelo Sumo Sacerdote de Deus, Melquisedeque, Rei e Sacerdote - Rei da Justiça e de Salém, isto é, da 'Paz'. Na verdade, as divergências destas três religiões originadas através Abraão é causa ainda de muitos conflitos sangrentos no Oriente Médio, que é um barril de pólvora, na história, antiga e recente da Humanidade. Que o livro sirva de ponto de apoio para debates sadios entre árabes, judeus e cristãos. E traga a paz permanente entre todos os povos.


                                               O místico Sebastião Breguez

(1) MELKITSEDEQ OU LA TRADITION PRIMORDIALE, de Jean Tourniac, Paris, Chez Michel, 330p, 2004. Veja edição em português da editora Madras.