sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Reintegração em Vida por S. Guaita

                                        REINTEGRAÇÃO EM VIDA**

Chamamos reintegrado (Yoghi da escola mística ortodoxa, nas Indias) aquele que pode, todas as vezes que desejar, governar inteiramente seu Eu sensível exterior, para se abstrair em espírito e mergulhar, pelo orifício do Eu inteligível interno, no oceano do Eu coletivo divino, onde ele toma consciência dos arcanos complementares da Eterna Natureza e da Divindade.
Denominamos duas vezes nascido (Dwidja da escola mística hindu) aquele que pode deixar sua efígie terrestre, e revestido de seu corpo astral ou etéreo, ir buscar no oceano astral a solução dos mistérios que ele oculta.
A reintegração espiritual interna pode tomar o nome de Êxtase ativo. - Convencionou-se dar à projeção da forma sideral a denominação de aquele de saída em corpo fluídico ( )...

O êxtase ativo tem dois degraus. - No primeiro, o adepto penetra na essência da Natureza providencial, naturante, que lhe comunica diretamente, sem símbolo, a Verdade-luz. - No segundo, ele pode mesmo comunicar com o Espírito puro, que o arrebata ao Céu inefável dos Arquétipos divinos: nesse caso, há aqui transfusão da Divindade-pensamento que se faz humanidade-pensante na inteligência do adepto, pelo efeito de uma íntima alquimia, de uma transmutação formidável e inexplicada.

A saída em corpo astral difere do êxtase ativo; porque o corpo físico parece então em catalepsia, acionado por uma vitalidade quase imperceptível; enquanto o corpo astral ou mediador plástico (envoltório ambulatório da alma espiritual) flutua na imensidão do éter sideral ou luz universal, e se dirige onde quer, unido que está ao corpo material por uma espécie de umbilicação fluídica. Nós já explicamos esse ponto.

Assim, a personalidade consciente vaga em forma astral onde bem queira, e vai por si mesma tomar conhecimento das realidades longínquas que podem lhe interessar ( ). Mas então, - se são noções de ordem inteligível que ela pretende adquirir, - tais noções não lhes são senão simbolicamente transmitidas, pelo intermédio da luz astral, que, antes de tudo configurativa, não fala senão oferecendo à sagacidade do espírito uma série de imagens, que este deve traduzir em seguida, como hieróglifos do Invisível. Essa linguagem concreta e trabalhada de emblemas é a única da qual a Verdade pode se servir para se expressar pelo intermédio do Astral.

No modo passivo, o alto Êxtase comporta também dois degraus: - 1ï Comunicação com a Natureza-essência, na Luz de glória; - 2ï com o Espírito puro.

Quanto ao êxtase passivo astral ou inferior, ele não é outro senão a lucidez, seja natural, seja magnética. Diante do diáfano do sujeito visionário se sucedem as imagens, as formas, os reflexos, os fantasmas que giram a torrente fluídica; mas só a ciência oculta pode aprender a distinguir a irradiação essencial do reflexo ilusório, de modo que se saiba eliminar esse último, para reter aquele lá. O perigo está em evocar sem o saber miragens errantes adequadas a seus pensamentos costumeiros, e encontrar por conseguinte, em uma visão tida como celeste, a eloqüente confirmação, - dizemos melhor a tradução fiel - do verbo interior de sua fé ou de seus desejos. O êxtase passivo ou inferior enganou muitas pessoas e fez muitas vítimas; a maior parte das visões beatíficas lhe são expressamente atribuídas.

O que importa antes de tudo ao adepto, é chegar a se colocar em comunicação espiritual com a Unidade divina; é cultivar um dos degraus do Êxtase ativo e aprender a fazer falar dentro de si, vil átomo, a voz reveladora do Universal, do Absoluto...

É, pois, possível ao relativo compreender o Absoluto? - Não, sem dúvida; mas sim de assentir, unindo-se a Ele... Um fragmento de espelho convexo não reflete todo o Céu? Toda a grande voz do Oceano não canta no oco da mais humilde concha, a quem teve a fortuna (diz a Lenda) de experimentar, fosse por uma hora, seu imenso e sonoro beijo?
Assim, o Êxtase deixa a alma extasiada (que seja por apenas uma hora) pela impregnação do infinito, a noção vivida do Absoluto, - o murmúrio inesgotável do Eu Revelador, que contém todos os Eus sem estar contido em nenhum. Que fruições! Retemperar sua vida individual no oceano coletivo da Vida incondicionada, ou aspirar a seiva espiritual no mesmo Espírito puro, - e alimentar-se dele! É uma decisiva iniciação: uma janela aberta sobre a imensidão da Luz intelígivel e do Amor divino, da verdade celeste e do belo típico.

Reencontrar o caminho do primitivo Éden!... Muitos passam ao lado da porta que comanda essa senda, sem mesmo perceber essa porta; ou, vendo-a não se dignam a bater. Talvez mesmo tal curioso ali bata, que não seja para fazer ressoar o umbral dos três golpes místicos: ele bate profanamente e ela não lhe será aberta.
Cristo disse: - Petite et Accipietis; pulsate et aperietur vobis; mas disse também: Multi vocati, pauci vero electi. - Como conciliar esses dois textos? Ah! é que algumas vezes aqueles que batem à porta não foram ainda chamados; seguidamente aqueles que são chamados ali não batem, ou mais seguidamente, batem mal.
Se, pois, aspiras tornar-te um adepto, evoca o Revelador que reside no último tabernáculo de todo ser; impõe ao Eu o mais religioso silêncio, afim de que o Eu coletivo possa se fazer ouvir, - e então, te refugiando no mais profundo de tua inteligência, escuta falar o Universal, o Impessoal, o que os gnósticos denominam o Abismo...

Mas é preciso estar preparado, - e é o papel do iniciador humano observar esses preliminares, - na falta do qual o abismo não tem senão uma voz para aquele que o evoca despropositadamente, voz terrível que tem o nome de Vertigem.
Em resumo, este é um grande e sublime arcano: Ninguém pode aperfeiçoar sua iniciação senão pela revelação direta do Espírito universal, que é a voz que fala ao interior.
Ele é o Mestre único, o indispensável Guru das supremas iniciações. Conhecemos as diversas maneiras de entrar em contato com Ele: de procurá-lo, - de fazê-lo vir, - de deixá-lo vir, - de se dar a Ele, - ou de tomar parte em Sua soberania ( ).

** Guaita, Stanislas: “La clef de la magie noir”, cap 2.

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