Reflexões sobre o hermetismo**
Por
Jollivet Castelot
I. A Primavera
Há alguns anos observamos
uma renovação geral dos estudos herméticos. Numerosas publicações por todo o
mundo, inclusive em língua francesa sobre Pitágoras, seus discípulos mais
eminentes (Empédocles, Apolônio de Tiana ), seus santuários secretos (a
Basílica da Porta Maior), os Neoplatônicos, os Hermetistas do Renascimento, a
ponto do domínio da magia, da teurgia e da alquimia serem de novo explorados
por universitários e tradutores. Evidentemente devemos observar certa reserva
com textos menos filosóficos consagrados à alquimia ou a teurgia. Mas esperamos
que a curiosidade e a renovação destes estudos tragam frutos positivos.
II. Interesse dos estudos
herméticos.
Os homens manifestaram, em
todos os tempos, uma curiosidade legítima para com o problema de sua própria
existência e de seu derradeiro porvir. Sabe-se que existe, na natureza, um
conjunto de segredos cujo conhecimento concede ao iniciado a paz do coração, a
alegria de espírito e o sentido da vida.
A revelação lenta e gradual
desses segredos formava, entre os antigos, o objeto dos Mistérios. Em nossos
dias, muitas pessoas estão ainda à procura do conteúdo dessas antigas
iniciações. Por nossa parte afirmamos que esta tradição não desapareceu e é
perpetuada sob uma forma oculta, iniciática e filosófica.
Sendo verdade que, por um
simples esforço de erudição ou pela Via da comunicação interior, todo
pesquisador de boa vontade pode descobrir certos pontos da tradição hermética,
porém é praticamente impossível atingir a revelação dos Mistérios Tradicionais,
sem a assistência de um estudo regular e contínuo dos textos do passado, e de
um ensinamento direto e progressivo pontuado por iniciações. Lembramos ainda
que, raras são as escolas que transmitem este método com toda a exigência
prática necessária.
Os Mistérios possuem mais
que uma base metafísica. Repousam sobre um conjunto de fatos verificáveis pela
experiência, quando o estudante adquire pouco a pouco as bases de sua arte.
Certos fenômenos chamados hoje de paranormais ( telepatia, pressentimentos,
inspiração súbita, sonhos premonitórios ) podem ser reencontrados.
Entregue a si-mesmo, o homem
em razão da insuficiência de seus meios de investigação, somente pode encontrar
elementos de respostas incompletos quanto aos problemas relativos a sua
natureza, a seu fim, a seu papel no universo, em quanto que a iniciação
hermética lhe abre as portas de uma revelação incessantemente profunda.
Certas religiões fornecem em
maior número diversos ensinamentos esotéricos de forma velada e popular. Mas
estes não satisfazem àqueles que, cuidadosos da livre escolha das doutrinas e
partidários do princípio do livre exame, recusam sujeitar-se às disciplinas
imperiosas, extremistas e ficam à parte da vida religiosa para salvaguardar sua
liberdade.
Ao contrário, a Tradição
Hermética pode ajudar esses espíritos investigativos e livres, oferecendo uma
via iniciática realmente ocidental que não pede inicialmente uma adesão aos
seus ensinamentos. Propondo soluções sem impor; somente consentirão após terem
verificado a excelência pela experiência pessoal.
Desmoralizados pela anarquia
do mundo, revoltados por suas injustiças e crimes, aflitos pelas agonias
contemporâneas, muitas pessoas, imbuídas de altruísmo e idealismo, se
interessam pelo porvir da humanidade. Portanto, é natural que se voltem para as
personalidades do passado, Pitágoras de Samos, que foi não somente um geômetra,
um músico e um moralista, mais também e sobretudo, um Mestre da Iniciação,
Platão, Plotino, etc.. Todos seus ensinamentos são sempre atuais e é
profundamente desconcertante ler textos dessas distantes épocas que parecem
terem sido redigidas há algumas semanas atrás. Estes falam à nossa alma, à nossa
experiência e respondem as questões, preocupações e ameaças de nossa época.
III. Finalidades dos
Mistérios.
Seria inútil conceder aos Mistérios um papel
restrito à educação mística, de edificação e formação pessoal. Sem dúvida,
fornecer uma resposta precisa a todos os problemas concernentes ao homem e ao
mundo já seria uma tarefa considerável e um benefício de incalculável
magnitude. Da mesma maneira, obter a salvação de cada um é uma tarefa imensa.
Mas os Mistérios não se
contentam unicamente em esclarecer os iniciados, devem ainda levar por
intermédio daqueles que os recebem, uma luz para ser repartida com o mundo.
A iniciação fornece àqueles
que a recebem, um papel benfeitor e útil. O iniciado não pode egoísticamente
tratar de sua própria salvação, de sua perfeição. Deve ao contrário utilizar a
luz recebida para clarear e curar seus semelhantes, segundo suas
possibilidades, sem, entretanto, descuidar das exigências primitivas de
esforços pessoais.
Este dever obtido com a
iniciação, refletindo a luz recebida e levando a felicidade a outros, deve ser
realizada sem fraqueza, sem lucros individuais, no mais inteiro desinteresse.
Nos tempos modernos, os
destinos dos povos são regidos por potências políticas e econômicas às vezes
amorais ou mesmo imorais. Motivo das discordâncias cada vez maiores entre esses
regimes político-econômicos e as exigências humanas reais que são cada vez mais
ignoradas. O trabalho do iniciado deve, portanto, contribuir para a salvação de
todos.
Notemos que na antigüidade,
as condições mais próximas de um ideal espiritual foram realizadas em certas
épocas. No Egito, o governo era teocrático, os iniciados, principalmente os
sacerdotes teriam nas mãos o poder político. O mesmo se daria em certas
repúblicas gregas ( Métaponto, Tarento, Crotone ), onde os monges, notadamente,
nos legam o testemunho indubitável da preponderância dos iniciados nos
conselhos governamentais. Não concordamos,
entretanto, estas tentativas de governo com uma república ideal semelhante à de
Platão que teria como conseqüência ser ainda mais intransigente e intolerante
do que os regimes ateus e extremistas. Esta sociedade é de benefício ideal no
sentido filosófico e podemos para descrevê-la, resgatar as Academias Platônicas
da Renascença. Notemos, entretanto, que elas implicam em indivíduos que
realizaram plenamente seu papel esotérico resumido no ideal da abadia de
Thélème de Rabelais.
IV. Natureza dos Mistérios.
Existem numerosos
ensinamentos iniciáticos, todos os povos possuem seus Mistérios.
Do mesmo modo, que todos os
raios levam ao centro de uma circunferência, todos os Mistérios levam ao
conhecimento de uma única realidade iniciática válida para toda a humanidade.
No mundo Ocidental, a maior
parte dos Mistérios, derivam da grande tradição egípcio-helênica que, embora
pouco conhecida, parece melhor adaptada à nossa sensibilidade. Esta ensina
entre outra: a natureza do homem e seus diferentes corpos celestes que o
compõem; a sobrevivência póstuma da alma; seu julgamento post-mortem (o peso da
alma ou psycostasia ); seu destino após o julgamento.
Esta tradição impõe algumas
prescrições em relação a certos Mistérios: proibição de cremação (em certos
casos, muito semelhante ao Pitagorismo ); respeito a hierarquia; animação
espiritual dos objetos de culto; utilização pela liturgia da água magnetizada,
do fogo sagrado e de incenso; etc.
São estes grandes Mistérios
que Pitágoras levou para a Europa no século VI antes de nossa era.
V. Os agrupamentos
iniciáticos.
As
ordens iniciáticas são agrupamentos fechados, dando por via de seleções
severas, um ensinamento preciso dos Mistérios a um pequeno número de
discípulos, que continuam por sua vez a cadeia de iniciação tornando-se, um
dia, Mestres iniciadores.
Este ensinamento é direto,
dado pessoalmente de Mestre a discípulo por via oral, “de boca à ouvido”.
Implicando como fundamental, um trabalho regular, cotidiano, durante vários
anos de técnicas simples, mas fundamentais. A este trabalho, é associado uma
meditação regular e contínua das grandes obras dos Mestres do passado.
O conhecimento dos segredos
da natureza somente pode ser dado às almas puras, suscetíveis de fazerem um bom
uso, e não utilizá-las para fins de dominação pessoal com finalidades egoístas.
Não podemos profanar os mistérios os comunicando à simples curiosos, a
imprudentes, à pessoas orgulhosas e interesseiras. Mas também é necessário
reconhecer que mesmo no caso, “de erro”, os Mistérios não seriam totalmente
profanados porque seriam inacessíveis ao interior daqueles que não seguiram a ascese
necessária. Os Mistérios não se restringem à conselhos de prudência e de
virtude; Eles ultrapassam o papel
ético.
Os Mistérios não fornecem
somente a chave da vida, os segredos da morte, da felicidade, e uma comunicação
de certas ciências, mais ainda um poder oculto, o de agir sobre o plano
espiritual. Os possuidores desses poderes são livres para dispor, o que impõe
ao transmissor uma grave responsabilidade.
O Mestre iniciador é, não
esqueçamos, um sacerdote, um “sacerdoce magnus”, um intermediário entre nosso
mundo e o do alto; pode colocar em movimento as energias naturais, emitir ondas
mentais onde é o gerador consciente e responsável.
É o pai de seus discípulos.
Os inicia ( initium=começo ) comunicando, por uma magnetização, uma parte de
sua própria vitalidade espiritual, de sua alma.
Dando-os uma carga psíquica induzida, porque iniciar, é de fato, dar a
vida a um ser novo sobre o plano espiritual.
Este ato tão importante
quanto a geração sobre o plano material, não pode ser feito levianamente,
porque empenha para sempre a responsabilidade do iniciador. A responsabilidade
para com esses iniciados é equivalente à responsabilidade para com nossas
crianças.
Concebemos assim a
responsabilidade dos iniciadores face à humanidade, e com que prudência os
Mistérios devem ser comunicados.
Compreendamos também a
existência de falsas escolas de iniciação. Não podemos, por exemplo, considerar
como escola iniciática um agrupamento que limita-se a leitura dos rituais sem
os fazer viver sobre o plano espiritual; onde o Mestre iniciador é um simples
guardião e doutor da lei; onde o Mestre iniciador não é mais que um professor
de moral; onde não solicita a assistência de uma força espiritual, em que o
universo está banhado; não comunicam nenhum poder porque o próprio jamais o
recebeu.
As religiões desde que
existem, isto é, desde a antiguidade mais recuada até nossos dias, são muito
numerosas e engendraram teologias não menos numerosas. Estas religiões, assim
como essas teologias, estão sempre em luta entre si, sem chegar jamais a se
entenderem ou mesmo se compreenderem. Nenhuma entre elas jamais chegou a
dominar inteiramente as outras nem a converter a humanidade inteira, malgrado
esta finalidade faça parte de seu ensinamento dogmático, porque cada religião
pretende ser diretamente revelada por Deus e deve triunfar um dia sobre toda a
terra.
As religiões jamais chegaram
a estabelecer entre si um acordo, malgrado uma certa comunhão de ideias
encontradas, resultado do fato de seus fundadores terem sido frequentemente
gênios religiosos que entreveram os mesmos princípios gerais da verdadeira
devoção e da verdadeira moralidade e também do fato de que as concepções
religiosas são em números muitos restritas. Não se trata de entrarmos nas
questões doutrinais e nos diversos métodos religiosos. Estes pontos já foram
tratados.
É inútil demonstrar a
divergência profunda existente hoje entre os dogmas das principais religiões e
as concepções modernas a respeito do Universo, sobre sua estrutura e sobre seus
destinos, os quais são ligados à vida e aos destinos da humanidade. Estes
pontos estão sendo colocados em evidência. Parece nitidamente, que a noção de
Deus, as ligações entre o Mundo e Deus, não poderiam mais serem admitidos por
nossa inteligência. A maneira de considerar as coisas da Natureza e as coisas
da religião mudou inteiramente e não saberíamos mais retornar à anterior.
Logo, as religiões não
evoluíram quanto ao fundo de seus princípios e conservaram a vestimenta
mitológica que as tornam insuportáveis ao entendimento moderno. Mesmo sob a
forma atenuada, simbólica, que certas religiões adotaram, como o misticismo
fabuloso, o sobrenatural transcendental alojado no ensinamento tradicional,
para a religião cristã, por exemplo. Isto parece evidente para o protestantismo
que conservou certas noções pela qual se aparenta ainda à mitologia e a fábula.
Contentemo-nos de lembrar a
unicidade atribuída a Jesus, sua impecabilidade absoluta pelo qual ele se
separa da humanidade, sua filiação especial por ligação a Deus, sua ação
presente na cena assim como nos acontecimentos do mundo, enfim, a noção de
milagre.
Nenhuma religião rejeita
inteiramente as velhas crenças, que somente a razão e a ciência saberiam
admitir. O misticismo está sempre na sua base e esse misticismo se desenvolve
de formas diferentes e contraditórias nas diversas religiões que continuam a se
levantar umas contra as outras sem procurar sinceramente a se confederar entre
si. Poderão algum dia? É necessário não esquecer, de fato, que as religiões são
um produto do meio étnico, nacional e social de onde nascem e se desenvolvem,
de onde surgem as rivalidades e o antagonismo indestrutíveis.
As religiões possuem sua
utilidade em quanto fator de evolução em um momento dado e suas teologias têm o
desenvolvimento necessário do ensinamento que se transforma, mais não ocorre o
mesmo atualmente, as religiões estão cristalizadas, estando coaguladas e
permanecendo atrás do movimento que arrasta em nossa época a ciência, os povos
e as civilizações a caminho de qualquer coisa de novo, a caminho de um
desconcertamento radical de nossas ideias e de nossa ação.
Mas, as velhas religiões não
estão mortas. Conservam a vitalidade e defendem sua existência ameaçada e
vacilante com uma severidade que anima os velhos desejosos de não morrerem.
Entretanto, o golpe funesto foi dado em seu ser mais íntimo e estes não se
erguerão mais. Desfazendo-se lenta, mas seguramente, como fizeram seus
antepassados, nos tempos longínquos e cederão o lugar às formas religiosas mais
jovens e diferentes que se apoderarão a seu turno, por um tempo determinado, de
algumas certezas assim, como de algumas crenças, cujo espírito moderno fez a
conquista.
Vejamos agora com toda
prudência imposta por semelhante sujeito, qual deveria ser a evolução religiosa,
do pensamento atual e futuro e em que podemos esperar um progresso real, um
encaminhamento mais rápido entre a razão e a fé, entre a intuição e a
experiência, entre o sentimento e a lógica, graças o qual surgirá a religião da
ciência e a ciência da religião.
Encontramos a base desse
desenvolvimento religioso filosófico e científico no hermetismo, cuja tradição
esotérica persegue através dos séculos, desde uma época muito recuada, chegando
a alguns milhares de anos. Tradição esta, restrita aos mistérios egípcios, aos
ensinamentos iniciáticos da Índia e da Pérsia, e a cabala judaica que refletem
os conhecimentos dos pensadores do Oriente.
Esta tradição, não obstante,
às reservas necessárias, constitui a verdadeira síntese religiosa, científica,
moral e social, porque repousa na fé sobre a intuição metafísica, sobre o
misticismo naturalista, sobre o racionalismo filosófico e sobre as conquistas
positivas e progressivas da experiência, sobre a exploração e o aprofundamento
contínuo do domínio ilimitado da natureza.
Certamente, é inegável que a
imaginação, frequentemente fantasiosa, se confunde à observação, ao pensamento,
à contemplação e à pesquisa. Isto é o mesmo, alhures, em todos os conhecimentos
humanos que não se edificam lentamente por um trabalho incessante de crítica e
de eliminação. Não restando menos que o método geral aplicado pelos adeptos do
hermetismo apoiado sobre a lógica, que escruta infatigavelmente a Natureza sob
todas suas formas e que não abandona jamais o terreno sólido do Mundo o qual o
homem pertence e que recebe as influências intelectuais e espirituais.
O hermetismo têm claramente
demonstrado, a Unidade essencial de todas as religiões e o elo que as unem sob
as diversas aparências dogmáticas, simbólicas e alegóricas. De fato, a
explicação esotérica das religiões às conduzem a uma base única que é a
astronomia. Todos os mitos religiosos recordam o movimento dos planetas, do sol
e das constelações, emprestando uma aparência humana a certas revelações
científicas personificadas em um Deus descendente sobre nosso globo e encarnado
na humanidade. Este Deus-homem, nascido no solstício de inverno, morto e depois
ressuscitado no equinócio da primavera [no hemisfério norte]. Os teóricos
agregaram um grande número de definições alegóricas, e às vezes, mesmo
filosóficas, a este culto solar universal. Contentemo-nos de lembrar a
introdução do princípio platônico, o Logos na religião cristã, o que deu lugar
à construção progressiva do dogma da trindade entre outros.
Não atemo-nos por mais tempo
sobre esta matéria bem conhecida do público e colocada em evidência por
numerosos escritores, desde a aparição da obra de Dupuis: L’Origine de tous les cultes ( A origem de todos os cultos ).
A síntese religiosa do
hermetismo introduziu, portanto, a ciência do Universo em sua explicação
positiva dos aparentes mistérios que nos cercam, não desobrigando esta via de
recorrer aos princípios da astrologia, da alquimia, da magia e das artes divinatórias.
A astrologia estuda as influências dos astros sobre os acontecimentos físicos e
orgânicos, sobre a evolução da terra e da humanidade, influências reconhecidas
hoje novamente pela ciência oficial que afirma por seu lado, após ter
ridicularizado os antigos, que o sol, a lua, e os planetas possuem uma ação eletromagnética
sobre os seres e suas determinações.
A alquimia não é outra que o
estudo da transformação atômica, da transmutação perpétua dos elementos
químicos que constituem o Universo inteiro.
A magia que compreende as
ciências precedentes estuda especialmente as forças ocultas da Natureza, ou
seja, a ciência primitiva e é dela que saíram a física, a química, o
magnetismo, o hipnotismo, psiquismo, como é da astrologia que saiu o
conhecimento dos números, base da matemática e da geometria, da álgebra, etc.
Sobre a magia repousa ainda hoje o ritualismo das cerimônias religiosas, assim
como a maior parte da liturgia.
Enfim, as artes divinatórias
repousam sobre o determinismo, às vezes previsíveis por certos meios intuitivos
associados ao racionalismo, dos fenômenos e dos acontecimentos formadores da
trama dos destinos do mundo e dos homens.
Temos então o hermetismo
constituindo o verdadeiro conhecimento religioso e explicando os símbolos e as
fábulas de todas as religiões e elevando-se acima de todas as crenças e se
inspirando no espírito puro, liberado de todos os dogmatismos contraditórios e
autoritários, e de todas as lendas que envolvem o sentimento religioso e
impedem de atingir o centro divino de onde irradia a luz eterna que não profana
nenhuma invenção pueril ou má, nenhuma imaginação desavergonhada ou errônea,
isto é, preocupada de interesses humanos.
O hermetismo conduz à
religião universal que reconhece somente o Deus insondável e vivente, de outro
culto que não seja o culto da Verdade, do Belo e do Bem.
O hermetismo, sempre se
elevando a Deus por um sentimento profundo de fé e de amor, entrega-se sempre a
uma especulação intelectual muito complexa e muito corajosa de Deus, jamais
concebido como um ser pessoal como faz a maior parte das religiões, mais sempre
considerado como o Ser dos seres, a potência eterna, absoluta, infinita e, por consequência
insondável em sua essência, incognoscível nele-mesmo, mas cognoscível por sua
manifestação no seio da Natureza, do Cosmo.
Para o hermetismo, Deus e o
Mundo são Um em seu princípio e não podem ser, considerados separadamente, um
do outro. O mundo não pode ser uma criação no sentido próprio da palavra, mais
antes uma emanação, porque o infinito contém tudo, contendo todas as
propriedades e todas as possibilidades contém o finito, produz o ato,
compreende a afirmação ao mesmo tempo em que a negação, isto significa que ele
unifica os contrários. Estes contrários não são outros, que os existentes no
pensamento humano. Não existem antinomias no seio de Deus.
Simbolicamente, Deus pode
ser concebido como a Integral e o mundo como sua derivada ou sua diferencial.
Esta derivada, acrescida da
Integral, não pode jamais ser integrada de uma maneira absoluta porque o mundo
tende para a harmonia, para a perfeição sem jamais poder os encarnar
absolutamente. Isto explica a imperfeição do mundo e dos seres comparativamente
a Deus e isto será a famosa razão da queda fatal e necessária resultante do
conhecimento e que constrange o mundo a perseguir incansavelmente um retorno
sempre maior para sua fonte, embora este seja aproximativo.
E é esta definição simbólica
dada pela análise das altas matemáticas que permite considerar Deus como sendo
a síntese e o mundo como sendo a substância anárquica, e esta explicação figurada
permite construir o Universo com a ajuda da representação das esferas e das
hiper-esferas se desenvolvendo e se penetrando reciprocamente, realizando a
unidade sob formas múltiplas, mas de fundos idênticos, a esfera sendo a curva
ilimitada traçada pelo infinito fechando sobre ela mesma para se abrir de novo
para a hipérbole, curva abrindo-se sobre o infinito. É sempre a mesma vida, o
infinito absoluto opondo-se no finito, em um espaço e em um tempo relativos, em
uma imperfeição que se eclipsa na harmonia do Todo.
É impossível, em sentido
filosófico como na pura religião, de separar Deus e o Mundo, de observar o
Mundo como uma criação, isto é como uma aparição no infinito e na eternidade,
como uma exteriorização voluntária e livre.
Não existe criação no seio
do infinito e da eternidade que não comporte de instante ou de começo no tempo,
pois o tempo não existe em Deus.
Disto resulta que o Mundo é
consubstanciado a Deus, que o limite é posto pelo ilimitado do qual ele é
somente uma expressão formal.
O Mundo não pode resultar de
desejos ou de movimentos exteriores porque em Deus não existe mudança e se o
Mundo proviesse de um movimento, seria necessário supor que Deus não preenche
todas as condições de felicidade e de harmonia, pois, um ser contido nele desejaria
sair de Deus e viver sua própria vida, o que é impossível, absurdo e
contraditório com a ideia de Deus. A tese sustentada por M. Julien Benda em seu
livro “Essai d’un discours sur les
rapports existant entre Dieu et le Monde” é, portanto falsa, contraditória,
filosoficamente falando, não válida.
Não podemos diferenciar
radicalmente o Ser concebido como Deus e o mesmo Ser concebido como Mundo. Esta
diferenciação só pode ser relativa como é, pela representação da integral e da
derivada saída de um Universo divino pelo seu princípio, abrindo-se sob a forma
de esferas figurando os espaços não euclidianos a várias dimensões encerradas
umas nas outras, como a 4a
dimensão contém as 3 dimensões conhecidas e como o hiperespaço fechando
as esferas e os espaços à dimensões menores (1).
O Mundo e o universo finito,
isto é considerado por nós como terminado, representaria por consequência a
oposição do infinito a ele-mesmo, oposição que a forma de nosso pensamento nos
constrange a admitir, embora na verdade não seja possível de ultrapassar o
domínio da hipótese. As antimonias, Kant a provou magistralmente em sua “Crítica da razão pura” realçando
somente a forma de nosso conhecimento e entendimento. Nós somos, portanto,
obrigados a nos submeter a esta lei da razão humana, mais é necessário sempre
nos lembrarmos que esses princípios são válidos apenas para nossa mentalidade,
não possuindo um sentido absoluto.
Dito isto, o símbolo
matemático da integral e da derivada é de um uso cômodo e fecundo na
circunstância. A derivada é indefinida mais não infinita e não se confunde com
o infinito para o qual tende para integração e de que é, de algum modo, saída.
O Mundo, assim considerado
como emanação eterna de Deus, não é, portanto, perfeito. Ele se distância, se
desvia do absoluto e diferencia-se dele por derivadas sucessivas que são as
causas secundárias. Deste estado de imperfeição, de individualização, de
separação, de divisão, provém o que chamamos de uma maneira relativa o mal e o
sofrimento, mas de outra parte, o mundo que encerra
em si o princípio divino, aspira continuamente retornar a ele e a se juntar ao
absoluto. O corpo de Deus, constituído pela emanação original, deseja e deve
formar uma unidade com o espírito que lhe deu nascimento e como este corpo é
animado de um movimento de evolução, o acesso à reintegração, cujo desvio o
distanciou, torna-se natural.
Este desvio constitui o que
as religiões chamam de queda, como já dissemos, mas esta queda não é imputável
a um pecado e não é o mal. É o efeito da constituição mesmo de Deus. Resulta de
sua própria natureza, de sua potência absoluta, infinita e eterna que anima
todos os seres e os reconduz sem cessar a ela pelos estados sucessivos formando
o desenvolvimento da consciência através da vida. É Deus ele-mesmo, que a
consciência reencontra na sua parte mais profunda quando é purificada, e o
duplo movimento aparente da queda e da redenção pertence à mesma realidade. É
uma pulsação, é um sopro contínuo de exalação e de aspiração.
A religião revelada pelo
hermetismo consiste, portanto, como vimos, em um modo intelectual e moral de
pensar o mundo e de viver a fim de efetuar o retorno a Deus, princípio vivente
da Unidade e da Identidade de todo ser e de toda coisa, pois Deus é o espírito animador
do Cosmo que realiza seu organismo, seu corpo visível e invisível. A marcha
ascendente consiste em uma evolução do particular ao Universal, do limitado ao
ilimitado, do finito ao infinito, do relativo ao absoluto, do determinado ao
indeterminado, do imperfeito à harmonia, da derivada à integral. O movimento
derivativo ou diferencial da desintegração constitui o movimento de evolução.
As duas oscilações do ser são eternas e simultâneas. A contemplação
bem-aventurada nos fornece assim o conhecimento científico e o conhecimento
filosófico e moral em uma síntese positiva, lógica e racional não excluindo
nenhum atributo de nosso ser, nenhuma qualidade de nossa inteligência ou de
nossa alma banhando na alma divina e universal da Natureza, esposa e filha de Deus.
Esta contemplação, iluminando nosso espírito, o une ao espírito da fonte eterna
de onde provém e esta união mergulha todos aqueles que atingem no êxtase
inefável do amor e da adoração, porque a mais alta especulação intelectual,
grave, serena, mas não austera, reverte-se de uma poesia sublime e sagrada que
inspira e transfigura os grandes místicos do pensamento e os gênios imortais
para que as barreiras do tempo e do espaço se desvaneçam diante da verdade
conquistada.
Todos, totalizados no imenso
Universo sobre as terras inumeráveis onde sofremos, onde procuramos e morremos,
somos chamados à serenidade e ao saber, porque somos solidários uns com os
outros e que o mesmo ser reside em cada um de nós. A ele convém fixar de uma
maneira definitiva e de molduras rígidas,
regras de condutas permissíveis de alcançar o desatar das cadeias que
nos retêm prisioneiros e nos impedem de subir aos cumes entrevistos. Devemos, a
exemplo das religiões, reduzir a existência às leis do código moral imutável e
coagular a vida em uma atitude única, limitada por uma disciplina estreita?
Não. As almas e os espíritos não são todos fundidos na mesma forma, e a maneira
de ver e de enxergar as coisas varia com os indivíduos. Evitemos, todavia, de
aconselhar o ascetismo como fazem várias religiões e certos sistemas
filosóficos que consideram a vida como essencialmente má ou como radicalmente
viciada por um pecado original, encontrando a salvação somente no abandono de
todas as satisfações terrestres e de todos os esforços intelectuais e
artísticos confinados a um pessimismo não menos falso que o otimismo beato e a
negação, mais ou menos total do Mundo.
Nada nos autoriza
considerarmos a vida como um erro ou mesmo o resultado de uma falta pré-humana
resgatada somente por um castigo contínuo, por um sofrimento voluntário tendo
como objetivo destruir todo desejo, toda paixão, e conduzir ao aniquilamento da
personalidade do indivíduo. A prática do ascetismo, fatigando o corpo por
privações, provoca simultaneamente o enfraquecimento da alma e da inteligência,
abrindo assim a porta às doenças físicas e mentais, cujos exemplos são dados
pelas biografias dos místicos pertencentes às diversas religiões e as diversas
seitas.
Recordamos que o Buda
Chakya-Muni somente atingiu o conhecimento perfeito após ter renunciado ao
ascetismo que o deprimia e que Jesus de Nazaré, não mais que Zoroastro e Maomé,
não aconselhavam ou praticavam o ascetismo.
Não se trata de suprimir em
nós a energia vital, mas de equilibrar, tornando-a rítmica, isto é harmoniosa,
por uma disciplina forte e constante. Trata-se de suprimir progressivamente o
egoísmo exagerado, manifestação da força centrípeta geradora do nascimento das
paixões desordenadas, dos abusos de todos os tipos e de converter em um
princípio regulador, moderador, suscetível de ordenar o ser à imagem da ordem
divina emanada para nós, fonte de altruísmo e abnegação.
É impossível sobre esta
terra vencer inteiramente o egoísmo, pivô da vida individual e determinada. E,
se tal resultado fosse conseguido, nosso ser desapareceria no nada absoluto, no
inconsciente total, porque todo estado de consciência é ligado a uma forma mais
ou menos alta e mais ou menos larga do eu. Deus não poderia ser concebido
ele-mesmo como negação da consciência, de modo pessoal, isto que seria, pelo
menos, antropomorfizar uma consciência de um grau compelido até o infinito. O
infinito inconsciente equivaleria ao nada.
O ascetismo mais radical não
depura o ser de toda consciência nem de todo desejo, porque os ascetas morrem
para o mundo dos sentidos para adquirir o esplendor e as volúpias inefáveis do
mundo celeste. Portanto, não negam a vida, mas somente uma certa forma de vida.
E é somente em comparação à vida sobrenatural que a vida presente é considerada
como negativa, ou nula em face da existência divina, como a vida divina é nula
em face da vida corporal. Há somente uma maneira de conceber as duas formas
opostas da vida, vida idêntica em sua essência.
Mas como acabamos de dizer,
o ascetismo é um exagero da alma e um entrave ao progresso, contrariando a
finalidade proposta. Não se trata de procurar a dor e suprimir todo desejo e
paixão. Trata-se, repetimos, ordenar a vida em conformidade com a ordem divina
universal, de atrair para si a luz, a bondade, à força e justiça e de irradiar
em torno de si estas qualidades. É necessário transmutar os valores morais a
fim de realizar um mundo melhor, mais elevado que o nosso e somente será pela
evolução de nossa consciência e de nossas almas que poderemos edificar o reino
de Deus sobre a terra e outros, por meio sem duvida, das vidas sucessivas que
conduzirão cada vez por mais tempo, e pelos esforços repetidos, ao objetivo
cada vez mais claro e visível a nos mirar.
Não queimemos rápido nossas
etapas. Um curso rápido só interessa aos mais valentes, mas, fora os heróis por
vezes temerários, há uma multidão incontável de homens médios, cujo vigor moral
e intelectual, somente seriam afrontado com terríveis combates com o dragão que
nos devora se não o enterrarmos. Somente sabem pedir a esta multidão para
abandonar, sem ideia de retorno, as alegrias correntes e necessárias da
existência cotidiana. Sem falar do estimado ascetismo inútil e perigoso, é fora
de dúvida que a mudança completa da existência não poderia ser efetuada pela
massa dos indivíduos e que a moral consiste para eles na pesquisa de um
equilíbrio harmonioso de suas necessidades instintivas e de suas paixões
diversas, com o trabalho paciente graças ao qual se elevarão e graças o qual,
constituirá um mundo superior de maior dignidade.
Evidentemente, não será sob
a forma terrestre que atingiremos o infinito, o absoluto, nem a felicidade
eterna, mas isto não significa que o infinito seja a negação da vida, da
consciência, da inteligência e do amor, que tudo seja nulo aos olhos de Deus.
Para a religião delineada,
para a religião, para a fé metafísica e científica, que considera Deus e o
Mundo como duas faces de um mesmo ser, a perfeição suprema consiste em uma
união estreita e consentida, jamais absoluta, entre os dois princípios onde um
é o centro incógnito e onde o outro é o cerco do ilimitado e do indefinido que
traça a curva eterna entorno do ponto de onde é saído e constituído.
Jollivet
Castelot
1. Podemos representar a
forma cilíndrica do Universo dizendo que a integral considerada como Deus
engendra a derivada tomada como reta geradora, a qual se engendraria ao
deslocar uma superfície cilíndrica. Assim o Universo, com sua estrutura
geométrica, saída do princípio infinito e absoluto chamado Deus.
Na hipótese de um Deus hiperbólico, seria
necessário supor a formação de um cone circular
estreito e a divisão desse cone por um plano paralelo às duas
geratrizes. O movimento das linhas do Universo seria engendrado pelo círculo ou
a esfera e o cone daria nascimento à hipérbole que seria o resultado dos
movimentos derivados da integral primitiva.
** Tradução: Pseudo-Sedir.
Sobre Deus Eterno "gerando" uma Criação efêmera - eu tive um estalo assistindo "A Origem" (filme com Leonardo di Capprio) que, talvez, ajude a resolver esses paradoxos aparentes da mente ao tratar sobre o Infinito "ativo".
ResponderExcluirO Ser-em-si, se "dormir" (como na Noite de Brahma), pode deixar que, sem deixar de ser o que é, poderia passivamente deixar que se criassem seres efêmeros que não dependam de uma ação direta para existirem, mas tão-somente que Ele (o "Sonhador") esteja "vivo": seria como um "Sonho" Universal, em uma analogia primária.
No filme, os seres se manifestam sempre nas "camadas do sonho", agindo sucessivamente nelas e em sequência. O sonhador (de cuja mente depende a manutenção do "sonho", a Manifestação) não influi no sonho, senão que o sonho desenvolve-se livremente dentro do teatro que sua mente deixe que se monte.
Ainda no filme: quando um ser "morria" numa camada, automaticamente passava à camada superior, e assim por diante. Eis que, na camada mais superior do sonho, quando o ser superior "morria", então cessava a manifestação do Sonho e o Sonhador acordava.
Dado que estamos num ciclo de evolução-involução, não considero o Dia e Noite de Brahma como fases da mesma manifestação Universal. Considero a Manifestação a própria Noite inteira de Brahma, onde toda a Criação é efêmera e, digamos assim, dependente do "sono" de um Sonhador que, ao mesmo tempo, é uma "Entidade Universal" e cuja mente é o terreno (espaço) onde essa Manifestação se dá fora da eternidade.
Não sei se me fiz entender... enfim. Assista ao filme - se já não assistiu - com essas observações minhas à mão.
Um abraço em Cristo!
Boa noite Júlio!
ResponderExcluirInfelizmente ainda não assisti este filme, por isso, estou com dificuldade de visualizar seus comentários. Vou assistir o filme e depois reler seu texto. Obrigado pela participação. Muita Paz!