INICIAÇÃO, O REMÉDIO DA QUEDA **
Por Ary Ilha Xavier
A história das origens
conta-nos que o mal e a morte são uma consequência da queda do Homem Primitivo
e que nós somos seus legítimos herdeiros. Por essa razão, não gozamos somente
do acervo dessa herança, mas também de todas as consequências desse estranho legado.
Ora, se foi da queda do Homem Primitivo, do descenso do espiritual até o
material, da Involução, que apareceu para o homem a necessidade, a limitação, a
escravidão e todos seus efeitos, tais como o erro, o vício, a obscuridade e a
morte, é necessário admitir que essa que da trouxe em si mesma, e
potencialmente, o remédio capaz de reparar o mal.
Se isso não fosse verdadeiro, o homem estaria condenado para sempre a uma morte
eterna, isto é, sua queda seria eterna e ele estaria perdido para sempre. Mas,
sabemos que isso não é assim. O Homem Original caiu, é verdade, mas é
necessário antes de tudo atribuir a essa queda seu sentido real.
É necessário, ainda, admitir a priori a origem divina do homem e, por
conseguinte, seu estado de pureza e perfeição anteriores à queda. Não seria
necessário, para um exame apriorístico, que estudemos as razões determinantes
dessa queda: basta admiti-la.
Esse homem primitivo, nós o sabemos, era unitário e múltiplo ao mesmo tempo,
inteiramente equilibrado e perfeito. De sua unidade, entretanto, algumas partes
desprenderam-se e foi exatamente essa "rebelião" que ocasionou seu
desequilíbrio e sua fragmentação. Foi assim que desse corpo imenso e glorioso
desprenderam-se um número quase infinito de células que se projetaram no espaço
vazio da noite dos tempos.
Dessa maneira, o Homem Original fragmentou-se e, desde então, saindo de sua unidade original e eterna, ele modalizou-se, passando da unidade ao número, multiplicando-se através da noite dos tempos, distanciando-se cada vez mais de sua fonte e de sua pureza.
E o espírito, dardando na imensidão do espaço, como uma centelha que se
desprende de um braseiro infinito, perdeu-se nesse caleidoscópio multiforme e
desceu até a materialização. E, nessa descida, nessa involução progressiva, ele
veio modalizando-se e vestindo-se pouco a pouco de matérias espargidas ao longo
dessa trajetória imensa, para, ao longo de sua queda gigantesca, sentir-se
animalizado e grotesco, sujeito à Roda Fatal do Destino inexorável das próprias
"vestes" que escondiam a vergonha de sua culpa.
Foi, então, que o homem e sua companheira constataram que eles estavam nus,
dizem as Santas Escrituras. Deve-se compreender, entretanto, esse nu no seu
sentido verdadeiro, aquele que está escondido sob o véu desse símbolo. Com
efeito, o homem antes de sua queda era um ser espiritual e
expressava-se por seu corpo glorioso, irradiante de luz! Em razão da queda, ele
foi revestido de um corpo material e, por conseguinte, tornar-se nu... de Luz!
Eis que sobre ele desceu o véu espesso da materialidade.
Caído e corrompido, o homem adquire consciência de seu estado profundamente
lamentável e triste, vindo em sua mente uma fraca reminiscência de seu estado
primitivo. É essa pálida lembrança da Luz que o faz compreender as Trevas
dentro das quais ele se encontra profundamente mergulhado. É aqui que a
Evolução começa; e o homem, sentindo o peso de sua cruz, liberta um primeiro
gemido! É o primeiro grito para sua liberdade!
Expia agora "oh! Divino Prometeu - como diria Eliphas Levi -, a glória efêmera das ilusões quiméricas, responsáveis de tua queda, tendo um abutre a devorar as tuas próprias entranhas".
Mas, esse homem já adquire consciência e, por essa razão, podemos acrescentar à
sentença formidável do Mestre: ... "e que a dor dilacerante de tuas
vísceras desperte, enfim, essa centelha que jaz adormecida e sem brilho no mais
profundo de teu ser ... Então, rompendo os laços materiais que te acorrentaram
depois de tua "rebelião", tu reencontres a consciência de ti mesmo e,
olhando-te no espelho cristalino de tua própria alma, contemples a imagem
negativa de teu ser! Tu verificarás, assim que teu Destino é a Liberdade, a
emancipação, a Verdade e a Vida Eterna ..."
Eis que surgirá, então, do interior o Homem de Desejo, apto para a Iniciação ... Sim, a Iniciação é o remédio que estava contido na própria queda, visto que o homem não desceu só, mas arrastou consigo a própria Divindade ...
** Retirado do livro: Guaita, S. : No Umbral do Mistério, Grafosul, PA, 1979 (Coleção Hermética N. 1 - OM, Ramo Brasileiro).
Ary Ilha (1932 - 1978) |
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