Os Rosa-Cruzes Essenciais
Paul
Sedir (1871 - 1926) **
Há seres sedentos de amor e
de sacrifício que, após séculos e séculos de lutas e obras, alcançado o ápice
da Ciência e do Poder, reintegrados misticamente no esplendor original de sua
condição de homens, não podem suportar o espetáculo doloroso de seus irmãos
ainda perdidos nos laços da paixão e ignorância. Isso os leva a serem
reenviados à Criação e a participarem novamente de suas dores e de suas
tentações. São missionados, os apóstolos, os místicos puros, os verdadeiros
Rosa+Cruzes. Ruysbroek, o Admirável, os chama de crianças secretas do Senhor.
Sua doutrina é indizível, pois eles professam que não se deve saber nada sem
estar antecipadamente convencido da própria ignorância. Seu livro é o
Evangelho. Sua prática é a imitação de Jesus-Cristo.
Essa teoria e essa prática parecem simples. No
entanto, não há nada mais elevado a ser concebido e mais difícil de executar.
As mais abstrusas especulações dos metafísicos hindus ou as autoridades mais
espantosas de seus yogues desaparecem perante a terrível profundidade das
máximas e dos ensinamentos evangélicos. Mas esses só podem ser compreendidos
por quem já superou, com trabalho e sofrimento, a extremamente limitada
natureza humana
Falar dos Rosa+Cruzes é
coisa por pouco quase impossível. Eles formam uma organização invisível. Não
deram eles a si mesmos o qualificativo de “invisíveis”? Cavalheiros do
Espírito, eles nada relevam a não ser o Espírito, eles não podem ser conhecidos
a não ser pelo Espírito. O Espírito é livre de toda limitação, os eleva além de
toda contingência. Ele lhes nutre, lhes inspira, lhes conforta. Eles lhes
ressuscita após cada uma das mortes inumeráveis que constituem a existência na
relatividade dos apóstolos de Deus e de Seu Cristo. Vivendo do Absoluto, eles
vivem no Absoluto.
Mas do mesmo modo que o
homem sabe apenas captar a divindade em sua manifestação, os homens não podem
perceber os Rosa+Cruzes, mensageiros divinos, à não ser em suas manifestações. “É
sempre em um período crítico que se ouve falar neles. Eles chegam na época e no
país onde uma forma social, tendo atingido sua completa realização, tende já a
se alterar; quando os esforços lentos e contínuos do espírito humano, em vez de
convergirem, como o tinham feito até então, na constituição e na afirmação de
um organismo social, de um dogma religioso, de uma síntese científica, começam
a divergir e abalam o edifício construído pelas gerações precedentes” (2)”.
Seu nome é o de sua função.
Eles podem, se quiserem, ser
invisíveis aos homens e incógnitos; se eles o desejarem, podem viver no meio
dos homens e como eles; são livres, mas de todo o modo, se apresentam aqueles a
quem vieram socorrer. Adotam os costumes dos países onde se encontram. E, com
efeito, podem viver no meio dos homens sem risco de serem identificados; apenas
seus pares os reconhecem por uma certa luz interior. O Cristo disse: “O mundo
não vos conhece”. É por isso que, quando eles mudam de país, mudam também de
nome (3). Eles podem se adaptar a todas as condições, a todas as
circunstâncias, falar a cada um em sua língua.
Eles agem a fim de que o que
eles têm a dizer ao mundo seja dito. Aqueles que escrevem ou falam seu nome
exprimem tão fielmente quanto podem os pensamentos, às inspirações que lhe são
transmitidas pela via espiritual.
Do mesmo modo, esses arautos
do Absoluto não inspiram seus apologistas quando eles só se preocupam em
refutar seus detratores. Esses, como aqueles, se comportam de acordo com o que
são capazes de ver luz que têm diante de si.
“Estrangeiros e viajantes na
terra” (4), não desejam nada do mundo, nem beleza, nem glória, nada além de
fazer a vontade de Deus, eles querem levar os fardos dos fracos, reanimar os
mornos, restabelecendo por toda a parte a harmonia. Eles passam e o deserto
torna-se um prado; eles falam e os corações se abrem ao apelo do Divino Pastor.
Eles preparam o caminho para Aquele que deve vir.
Mas quem conhecerá as
fadigas, quem enumerará os martírios sempre desconhecidos que aceitam, em seu
imenso amor, esses pastores do Pai, para reconduzir as ovelhas indóceis que
somos? O grande Cagliostro o disse nesses termos patéticos: "Eu venho do
Norte, da bruma e do frio, abandonando por onde passo alguns pedaços de mim
mesmo, me esgotando, me reduzindo a cada etapa, mas vos deixando um pouco de
claridade, um pouco de calor, um pouco de força, até que eu seja, enfim, detido
e parado definitivamente no fim de minha carreira, na hora em que a rosa
florescerá sobre a cruz” (5).
Assim eles têm passado,
imperceptíveis, no meio dos homens, para esclarecê-los e levá-los à Vida. Eles
são vindos para recordar as criaturas às palavras pronunciadas nos séculos
remotos, para despertar nelas o eco, que tinha se extinguido, das vozes que fizeram
vibrar antigamente os seus corações. Eles são vindos para trabalhar em prol da
renovação espiritual, da obtenção por esforços cotidianos dessa luz que ilumina
todo homem vindo ao mundo e que nós repelimos, que nos obscurecemos pelos
nossos desejos egoístas. Essa, têm eles dito, é a única via da regeneração
individual, da redenção coletiva.
A iniciação cristã, com
efeito, não tem por alvo, como as iniciações do extremo oriente, a orientação
metafísica de atingir um grau superior de Saber: seu alvo é a Vida. Ora, a Vida
é Amor e o pensamento é a imagem invertida da Vida. O amor é o único intérprete
verídico da verdade: o amor é a sabedoria suprema, conforme com o que está
escrito: “Aquele que ama Deus é aquele que conhece Deus” (1 João, IV,7).
A organização interior da
fraternidade não foi revelada, nem seus segredos. Esses se referiam,
exteriormente, à transmutação dos metais, à arte de prolongar a vida, à
descoberta de coisas ainda ocultas. Mas os Rosa+Cruzes se davam por magos a fim
de mascarar seu verdadeiro pensamento, seu objetivo primordial: a reforma do
mundo, da qual eles eram os agentes predestinados. E isso que, por baixo de
tudo, espanta o leitor dos escritos rosacruzes. Mais que os procedimentos que
eles apresentavam para obter a pedra filosofal ou o elixir do prolongamento da
vida, mais que o método que eles preconizavam para atingir a certa fórmula do
saber, os Rosa+Cruzes levaram os europeus do século XVII arruinados pela
guerra, divididos entre o catolicismo e o protestantismo, desagregados em sua
mentalidade pelo espírito de crítica, palavras de concórdia e de apaziguamento.
No meio do egoísmo universal, eles recordaram aos homens que eles são irmãos,
filhos do mesmo Pai; no meio da anarquia crescente, eles falaram do Libertador,
eles repetiram que o Cristo desceu e que Ele retornará para reunir em um só
coro Seus serviços dispersos.
Eis a mensagem trazida ao mundo pelos Rosa+Cruzes:
ELIAS ARTISTA
A Rosa+Cruz essencial existe
desde que há homens sobre a terra.
Além do Sol amarelo que nos
ilumina, há seis outros sóis ainda invisíveis que fazem viver a terra. Nosso
Sol amarelo tem o propósito de produzir a assimilação das funções vitais. Um
outro Sol, o Sol vermelho, tem por ofício a construção dos corpos terrestres:
ele rege a morfologia, as afinidades físicas, químicas, intelectuais, sociais.
Esses Sol vermelho é a residência do ser em Paracelso, o primeiro aqui em baixo, denominou Elias Artista.
Elias Artista é o anjo da
Rosa+Cruz. Ninguém pode saber quem le é, nem aquilo sobre o que ele repousa.
Tudo o que se pode dizer é que ele é uma força atrativa, harmonizante e que ele
tende a reunir os indivíduos em um só corpo homogêneo.
Eis como se expressa
Stanislas de Guaita:
“Elias Artista é infalível,
imortal, além disso, inacessível, às imperfeições, como às impurezas e aos
ridículos dos homens de carne que se oferecem a manifestá-lo. Espírito de luz e
de progresso, ele se encarna nos seres de boa vontade que o evocam. Se eles
tropeçam no caminho, eis que o artista Elias não esta mais neles.
“Fazer mentir o verbo
superior é coisa impossível, ainda que se possa mentir em seu nome. Pois cedo
ou tarde ele encontra um órgão digno de si (nem que seja por um minuto), uma
boca fiel e leal (nem que seja pelo tempo de pronunciar uma palavra).
“Por esse órgão de sua
escolha ou por essa boca de coincidência _ que importa? _ sua voz se faz ouvir,
potente e vibrante dessa autoridade serena e decisiva que empresta ao verbo
humano a inspiração do Alto. Assim, são desmentidos na terra aqueles que sua
justiça condenou no abstrato.
“Guardemo-nos de falsear o
espírito tradicional da Ordem; reprovados no alto na mesma hora, cedo ou tarde
seríamos negados aqui em baixo pelo misterioso demiurgo que a ordem saúda pelo
nome: Elias Artista.
“Ele não é a Luz; mas, como João Batista, sua missão é a
de dar o testemunho da Luz da glória, que deve se irradiar de um novo céu sobre
uma terra rejuvenescida. Que ele se manifesta pelos Conselhos fortes e que ele
derruba à pirâmide das santas tradições desfiguradas pelas heterogêneas camadas
de detritos e de remendos que vinte séculos tem acumulado sobre ela! E que
enfim, os caminhos estando por ele abertos para o advento do Cristo glorioso, -
sua obra estando concluída - desaparecerá
na névoa maior o precursor dos tempos vindouros, a expressão humana do santo
Paracelso, o “deimon” da ciência e da liberdade, da sabedoria e da justiça
integrais: Elias Artista” (6) .
Elias Artista de Willian Blake
Por outro lado, se nós
quisermos encarar o sacerdócio de Melquisedeque, cujo sacrifício é a prefiguração
da Eucaristia, teremos que nos recordar que os sacerdotes “da ordem de
Melquisedeque” constituem não uma ordem social, mas um sacerdócio cujo
sacramento, representado pelo pão e pelo vinho, é o sacrifício de si mesmo ao
próximo, por amor a Jesus-Cristo e pela unidade com Ele.
Em nossa opinião, Elias
Artista é uma adaptação do Elias bíblico, que deve retornar no fim dos tempos,
com Enoque, para desempenhar seu papel de testemunha do binário universal.
Seria prematuro dizer quem foi Elias artista ou quem ele será. Tudo o que é
útil saber é que esse nome designa uma forma do Espírito da inteligência.
É isso que entendiam os
Rosa+Cruzes quando eles diziam que no dia C eles se reúnem em um local que se
chama o Templo do Espírito Santo. Mas onde é esse lugar? (7) Eles próprios não
o sabem, porque, dizem eles, é invisível.
Nós nos permitimos indicar a
nossos leitores, se eles quiserem aprofundar o estudo desse tema misterioso, de
meditar na história de Enoque, pai simbólico da Rosa+Cruz, inventor da tradição
e da ciência e construtor de monumentos dos quais a lenda lhe atribui a
paternidade.
** Tradução do Capítulo II, págs.21-26 de “Les
Rose-Croix”, de Sédir, Bibliotheque des “Amitiés Spirituelles”, Paris.
Notas do autor:
1) O itinerário das viagens
de Christian Rosenkreutz indica bem as filiações da fraternidade rosacruciana
com outras tradições, principalmente com certos centros instalados no Egito e
com certas Fraternidades muçulmanas que o pai encontrou em Fez.
2) “L’Évangille de
Cagliostro”, traduzido do latim para o Francês e publicado pelo Dr. Marc Haven
(Lalande), Paris, 1909 - Introdução. 2.1)Edição espanhola: “El Evangelio de
Cagliostro”, Editorial Humanitas, Barcelona, 1987.
3) O nome é o símbolo da
individualidade.
4) Hebreus, cap. XI, vers.13.
5) “Mémoire pour le Comte de
Cagliostro accusé, contre le Procureur Général”, Paris, 1786.
6) Stanislas de Guaita:
“essais de Science Maldite - Trilogie -
Paris, 1897, 1915, 1949.
7) Christoph-Stephan Kazauer, resp. J. Ludwig Wolf: “disputatio
Historica de Rosacrucianis”, Wittenberg, 1715.
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