Um dos
autores prediletos da “R+C Artística” (Ordem Rosacruz e Estética do Templo e do
Graal) de Joseph Peládan (29/03/1858 – 27/06/1918) foi Richard
Wagner (22/05/1813 –
13/02/1883), cuja música possui a capacidade de nos propiciar êxtases estéticos e
místicos em poucos acordes. A obra de Wagner, com melodias e enredos míticos e
espirituais, revela, e desvela, profundos segredos do Caminho Iniciático, ao
discípulo atento e sensível à linguagem do som e dos símbolos. Este arrebatamento
é revelado, de uma forma explicita e apaixonada, nesta carta de Charles
Baudelaire (9/04/1821 – 31/08/1867) endereçada ao autor de
Parsival, postada abaixo.
TRECHOS DE
UMA CARTA DE BAUDELAIRE A WAGNER**
[Paris], 17
de fevereiro de 1860.
CARO SENHOR
Antes de tudo, quero lhe dizer que lhe devo o maior prazer musical que
jamais experimentei. Estou numa idade em que não mais nos divertimos em
escrever aos homens célebres, e eu ainda teria hesitado por muito tempo a lhe
testemunhar por carta minha admiração, se todos os dias meus olhos não
deparassem com artigos indignos, ridículos, onde se fazem todos os
esforços possíveis para difamar o seu gênio. O senhor não é o primeiro homem em
razão do qual tive de me envergonhar de meu país. Enfim, a indignação me levou
a lhe testemunhar meu reconhecimento. Eu disse a mim mesmo: quero ser
distinguido de todos esses imbecis. Na primeira vez que fui aos italiens
para ouvir suas obras, estava com bastante má vontade e, devo confessá-lo,
cheio de maus preconceitos. Mas posso me desculpar, fui frequentemente muito
tolo, ouvi muitas músicas de charlatães de grandes pretensões. Pelo
senhor, fui imediatamente conquistado. O que experimentei é indescritível, e,
se o senhor se dignar em não rir, tentarei traduzir. Primeiramente, pareceu-me
que eu conhecia essa música, e mais tarde, refletindo sobre ela, compreendi de
onde vinha essa miragem. Parecia que essa música era a minha e eu a reconhecia,
como todo homem reconhece as coisas que ele está destinado a amar. A seguir, o
aspecto que me tocou principalmente foi a grandeza, essa música representa o
grandioso, ela leva ao grandioso. Sente-se imediatamente enlevado, subjugado.
Senti toda a majestade de uma vida mais vasta que a nossa. Experimentei
frequentemente um sentimento de uma natureza bastante insólita. É o orgulho, o
gozo de compreender, de me deixar penetrar, invadir, volúpia verdadeiramente
sensual e que se assemelha àquela de subir aos ares ou de rolar sobre o
mar. Geralmente, essas profundas harmonias me pareciam se assemelhar a
esses estimulantes que aceleram o pulso da imaginação. Há por toda parte algo
enlevado e que arrebata, alguma coisa que aspira a subir mais alto, algo de
excessivo e de superlativo. Por exemplo: servindo-me de comparações tomadas de empréstimo
à pintura, suponho diante de meus olhos uma vasta extensão de vermelho escuro.
Se esse vermelho representa a paixão, vejo-o chegar gradualmente, por todas as
transições de vermelho e rosa, à incandescência da fornalha. Seria difícil, impossível
mesmo, chegar a algo ainda mais ardente. E, no entanto, uma última combustão
vem traçar um sulco mais branco sobre o branco que lhe serve de fundo. Será,
caso queira, o grito supremo da alma que é alçada a seu paroxismo. Assim
poderia continuar minha carta interminavelmente. Se o senhor pôde me ler,
agradeço-lhe. Não acrescento meu endereço, pois poderia crer, talvez, que eu
tenha algo a lhe pedir.
** Tradução
e revisão de Anderson Fortes de Almeida. Anderson é o tradutor de duas importantes
obras para o Martinismo: “Mística Cristã” de Paul Sédir e “Revelações:
Conversações espirituais sobre M. Philippe de Lyon” de Michel de
Saint-Martin, ambas publicadas pela editora Clube dos Autores (https://clubedeautores.com.br).
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