OS ESPÍRITOS DESTE MUNDO E O ESPÍRITO SANTO *
Pareceria, à primeira vista, que a um místico não devesse
interessar o problema dos espíritos; mas, ao se fazer uma reflexão, a utilidade
deste estudo torna-se evidente para melhor fixar as ideias e para circunscrever
nitidamente os domínios respectivos do ocultismo e do misticismo.
Como todos os seres que se extraviaram, nosso tempo
procura as coisas raras; não se satisfaz nem com as lições austeras da ciência
positiva, nem com os conselhos mais consoladores da Igreja; e, devido a sua
inquietude febril, se extravia quase a cada passo. É contra as paixões
suscitadas pelo espiritismo, pela magia, pelo magnetismo pessoal que tentamos
hoje reagir, retificando nossa caminhada sobre a estrela polar do mundo
invisível, sobre o Verbo Jesus.
O Invisível é mais vasto que o Visível, milhares de
vezes. Nele englobamos comumente todos os seres que o povoam sob a designação
de “espíritos”; mas é um termo impróprio, porque a palavra designa
gramaticalmente uma entidade imaterial, e as criaturas invisíveis são providas
de corpos. O título de Espírito somente convém ao Consolador, à terceira pessoa
da Trindade. Os habitantes do “Outro
lado”, pelo fato mesmo de que são criados, possuem órgãos materiais. Os
deuses possuem corpos, os diabos também; os anjos em missão revestem-se de
corpos temporários, como nós vestimos uma capa de viagem. Para me conformar ao
costume, chamarei de espírito todo ser imperceptível aos sentidos corporais,
desconhecido da consciência ordinária, intangível aos aparelhos de laboratório.
Conforme esse ponto de vista, os habitantes de Marte
ou do Sol são para nós espíritos; são, contudo, seres orgânicos, que se
alimentam, trabalham, se multiplicam, com um corpo que é pesado em seu próprio planeta.
Assim, existem astros formados de uma matéria que acharíamos muito mais pesada
que a nossa, se pudéssemos mensurar sua densidade com um padrão de medida
universal de peso; esses astros, entretanto, permanecem invisíveis aos melhores
dos telescópios. Igualmente há, sobre a terra, raças de homens pouco conhecidos,
cujo corpo, bem mais vigoroso que o nosso, bem maior, capaz de atingir uma
longevidade patriarcal, não pode ser percebido nem pelos olhos, nem por qualquer
instrumento de óptica. Na espessura das rochas, nas areias de certos desertos,
nos glaciares do polo, vivem outros homens, diferentes de nós, gigantes,
pigmeus, ciclopes, alados como os anjos, ou monstruosos. Eles são reais, mas as
ondulações fotogênicas passam a través de seus corpos, cujas moléculas são agrupadas
seguindo eixos diferentes; nossos olhos não os vêem, os dos sonâmbulos
ordinários tampouco. Mais tarde, a qualidade do fluido luminoso mudará, e os
exploradores descobrirão essas criaturas estranhas. Quando elas se manifestam
acidentalmente, as tomamos por espíritos.
Além desses aborígines do invisível, além dos defuntos, das imagens, dos reflexos, existem entidades espirituais ligadas a todas as criaturas materiais. Cada ramo de erva tem seu gênio, diz a Cabala, em conformidade com os Pais da Igreja. Os mitos, as lendas populares ilustram essa ideia; O Evangelho a apresenta sob seu aspecto mais alto: “Todas as coisas foram feitas pelo Verbo”, pronuncia o discípulo bem-amado, “e nada do que foi feito, se fez sem Ele”. Toda criatura contém uma centelha do Verbo, da Vida; ora não há vida sem espontaneidade, espontaneidade sem liberdade, liberdade sem individualidade. Absolutamente falando, tudo é um eu, uma inteligência, uma vontade; todo corpo é o envelope de uma alma, instrumento de um espírito.
Como acreditar em tais contos de fadas? Só há um meio:
observar. Trabalho difícil e delicado. Aquele que recebeu o batismo do Espírito
Santo possui o privilégio de uma comunicação permanente com o coração do mundo,
sede central do Verbo. Lá, toda criatura se mostra em sua nudez original, em
sua forma real. Mas não posso abrir seus olhos interiores e lançar vocês na
corrente da Vida cósmica secreta. Seus cérebros, em sua maioria, não resistiriam
a esse impacto, a esses tumultos, ao formigamento infinito dessas turbas.
Entretanto, anotem isto. Entre os pesquisadores que se
ocupam do invisível, há os teóricos e os práticos. Os primeiros são poetas,
filósofos, iniciados intelectuais; professam o subjetivismo, ou melhor, consideram
as lendas, as recitações miraculosas, as teologias apenas como alegorias, símbolos,
descrições metafísicas de meios dinâmicos. Para os práticos, ao contrário, tudo
é real e objetivo, quer eles ajam na via da esquerda, como os feiticeiros do
campo, os faquires, os mágicos, ou na via da direita, como os místicos. Uma vez
mais, os extremos se tocam; a ignorância do selvagem, que discerne um espírito
no trovão, no baobá ou no caïmã se une ao conhecimento perfeito do Amigo de
Deus, cujo olhar traspassa os véus sob os quais se esconde a forma verdadeira
das criaturas.
A Igreja acredita igualmente na existência dos espíritos
das coisas; algumas de suas fórmulas litúrgicas o demonstram. Quando o
sacerdote pronúncia: “Exorciso te,
creatura aquae”, é porque há na água um princípio que entende esta palavra,
que percebe o sentimento do padre; ou então a liturgia seria apenas literatura.
Quando o clérigo abençoa uma colheita, uma casa, um telégrafo, um medicamento
(1), é porque há vida nessas coisas, ou então esse apelo às forças divinas
seria algo sem sentido, insultando a Providência. Alguns taumaturgos perceberam o mundo dos espíritos.
O admirável Francisco de Assis dizia “meu irmão lobo” e “minha irmã cotovia”; e
também “meu irmão fogo, minha irmã cinza, minha irmã pobreza”. E não eram
imagens poéticas de seu pensamento; ele conhecia o espírito animador desses
seres, pois o fogo, os peixes e as andorinhas obedeciam a seus amáveis
comandos.
Nossa inteligência dificilmente concebe que as fadas habitem as fontes, e os caprípedes, os desertos da Etiópia. Entretanto, aqueles que viram criaturas desse gênero não eram todos alucinados; aliás, a alucinação corresponde sempre a alguma coisa real. Toda a dificuldade consiste em mudar nosso ponto de vista. O marinheiro vê ondas, em uma maré; o engenheiro, uma curva dinâmica que ele transforma em equações; o astrólogo descobre as correntes fluídicas. Todos estão com a razão; somente aquele que observa com os olhos do próprio Verbo abraça simultaneamente o princípio e todos os aspectos. Eis o místico.
Entre esses seres invisíveis, uns são microscópicos, outros
imensos. Assim, a prosternação resplandecente do anjo da prece ostenta de uma à
outra extremidade do firmamento feixes de estrelas brilhantes; ao passo que
nós, quando oramos, entre os bilhões de células que compõem nosso ser, apenas
algumas se iluminam. Grande é o medo, no coração do discípulo que viu esse
anjo; mas sua alegria permanece inefável e inesquecível.
Os fluidos ódicos redescobertos pelo Barão de
Reinchenbach não são os espíritos dos quais falamos; os halos ovóides multicolores
que percebemos no plano magnético e no plano mental também não são esses
espíritos. A entidade intelectual, a tendência moral de uma associação, de um
colégio, de um movimento nada mais são do que a mistura de emanações vindas das
vitalidades material e espiritual dessa coletividade.
Ao contrário, quando, em seus êxtases, Catherine Emmerich, arranca as ervas daninhas de uma vinha imaterial, anunciando, depois de despertar, ser essa vinha a Igreja, e a planta parasita, um prelado indigno, sendo que, pouco tempo após, o prelado nomeado por ela foi destituído de seu cargo, foi o gênio da Igreja que ela havia realmente visto. Quando uma mãe sonha que uma serpente se enrola em torno do pescoço de seu filho e que, no outro dia, o pequeno acorda com uma angina, é o gênio da doença que ela percebeu. Se, após terem orado por um aflito, vocês o virem em sonho receber a visita de um soldado, por exemplo, é o gênio do livramento que apareceu.
Alguns dentre os servidores do grande Pastor são
colocados assim em relação com certos agentes gigantescos que governam as
forças da Natureza. Foi assim que um dia, um dos meus amigos, que certamente
não estava em correspondência telegráfica com os sismógrafos dos observatórios,
me disse à queima roupa: “Esta noite, a tal hora, haverá um tremor de terra de
tal parte à outra; mas ele não será sentido na aldeia onde habita o Sr. X... ,
porque ele é um bom soldado; combinaremos isto com o dragão” E, de fato, os
jornais relataram os tremores exatamente
com a direção e a interrupção inexplicável
que me foram preditas. O que há de curioso nesse relato é a opinião
subentendida que toda colina, toda montanha, todo rio, todo lago, até mesmo as
profundezas do solo são moradas de numerosos gênios; e que, agindo sobre o gênio,
se modificaria o lago ou a colina, exatamente como, quando as paixões mudam, a
mímica muda igualmente. Essa opinião é muito difundida na Arábia, na Índia, entre
os povos amarelos; mas é muito rara na Europa.
Eu teria várias histórias semelhantes para contar; mas
é preciso me ater ao meu programa.
Para estudar um pouco mais de perto o espírito das
coisas, escolheremos um exemplo que vocês poderão estender a todos os casos
análogos.
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Eis uma casa. Todo o edifício é o corpo físico de um
gênio. As casas comuns de construção moderna possuem também seus gênios. Esses
gênios revestem-se de formas animais, e
o verdadeiro vidente entra em comunicação com eles, os educa, os faz agir
segundo os seus interesses.
Entre parênteses, devo lhes dizer aqui que o que chamo
de um verdadeiro vidente não é o médium ou a sonâmbula honesta, que não trapaceiam;
mas algo totamente distinto. Os maníacos do psiquismo, desde o momento em que
acreditam perceber em alguém sinais de desequilíbrio nervoso, se precipitam
para desenvolver esse tema; mas como ignoram
tudo sobre a constituição real do homem, as ligações entre o espírito e o
corpo, caminham cegamente; e o desenvolvimento que obtêm são apenas mais desequilíbrios.
A presunção desses experimentadores que julgam fazer algo útil seria risível,
se não fosse digna de dó. O verdadeiro vidente é antes e acima de tudo um
discípulo do Evangelho; é somente por acréscimo que exerce uma faculdade
excepcional.
Retomo a seguir meu exemplo.
O que se passa no “outro
lado” durante a construção de um edifício?
Primeiramente, o futuro proprietário recebe a forma espiritual desse edifício;
esta visita ocorre no inconsciente. Se o
espírito desse homem se interessa por esse clichê, o acolhe, o nutre, a imagem
pressiona o cérebro e entra no campo da consciência; a vontade opta pela
aceitação ou recusa. Os clichês não podem se realizar sozinhos; é preciso a colaboração
dos homens; mas a matéria tampouco pode evoluir sozinha; ela precisa das armaduras
fornecidas pelos clichês.
Esses últimos, antes de se tornarem intuições, desejos
vagos, projetos, planos, trabalhos e criações físicas, tiveram, antes, de coordenar
em seu lugar próprio todos os tipos de correntes atrativas para religar uns aos
outros os seres dos quais esperam sua materialização.
Um tipo espiritual cresce ou definha conforme os
homens ou os lugares que ele toca lhe forneçam ou lhe recusem alimentos. Eis,
por exemplo, um clichê de roubo passando pelo meu espírito. Antes não pensava em
furtar; a cobiça me vem por causa de uma ocasião qualquer. Se a satifaço, as
forças físicas e mentais que me servem para efetuar o furto serão absorvidas
pelo clichê, o qual se distanciará em seguida de meu espírito um pouco mais
vigoroso do que entrou; se resisto, após algumas tentativas o clichê irá embora
um pouco mais fraco.
Esses contatos dos clichês com o mundo físico formam a
trama de nossas existências. Percebemos aqui como, na realidade, podem ser
graves decisões que o julgamento racional sozinho teria acreditado ser pouco importante.
O local onde uma casa deve ser construída é designado
desde o nascimento do continente do qual ele faz parte. Muitos anos antes do escavador
pegar sua picareta, correntes fluídicas se juntam nesse lugar. Quanto mais deve
durar o edifício, mais remota é sua preparação. Proprietário, arquiteto,
operários, as pedras, as vigas, o cimento, o metal, tudo enfim que concorre para
este empreendimento, em seus mínimos detalhes, é fixado anteriormente nos
arquivos da terra, segundo as leis mais imparciais.
Nada acontece, pois, a uma pessoa que não tenha sido chamado
ou escolhido antecipadamente. O desabamento, os defeitos, os imprevistos, o
incêndio futuro, os procedimentos possíveis, tudo isso é atraído magneticamente
pelo clichê primitivo e pelos justos destinos dos proprietários, dos construtores
e dos locatários.
Isto não exclui a má-fé, por exemplo, dos
contratantes. Um empresário desleal somente é levado até mim e me prejudica
porque mereço ser enganado; mas ele permanecerá responsável por sua fraude. Se
ele resiste à sua avareza, age duplamente bem, para ele e para mim. Se
reconheço a legitimidade espiritual desse roubo, me recusando a processar o
empresário, pago a mim mesmo uma dívida, melhoro o meu porvir, o de minha casa,
e mesmo o do empresário indelicado, porque deposito, por meio de minha renúncia,
e sem o saber, o germe do remorso no espírito desse homem.
Há lugares nefastos, casas onde certa doença terrível
parece ter escolhido seu domicílio. Frequentemente, vamos nelas nos instalar
por ignorância; e essa ignorância é desejada por Deus para não escaparmos de
nosso justo destino. Entretanto, não devemos afrontar o perigo com bravata: “Eu
nada temo; sou mais inteligente que qualquer um; tenho uma saúde de ferro”. É
preciso dizer: “Aceito morar nesta casa apesar de seus inconvenientes, porque o
Cristo nunca teve tanto; posso muito bem me impor este incômodo, uma vez que um
dos meus irmãos desconhecidos se beneficiará com o local mais cômodo que eu lhe
deixar, e porque estou certo de ser ajudado.” Eis a linguagem de um soldado do
Céu.
Observem a expressão singular desta frase do Evangelho:
“Ao entrar na casa, saúde-a, dizendo: Que a paz esteja sobre esta casa; e, se
esta casa for digna dessa paz, a paz virá sobre ela e, se ela não for digna
dessa paz, que a paz volte para você”. De fato, uma casa pode, como toda
criatura, desejar a Luz ou as Trevas; a discórdia acompanha estas, a paz escolta
aquela.
O gênio de um edifício agrupa em torno dele outros gênios; cada peça possui um; cada parte da peça, cada detalhe da porta ou da janela, cada móvel, cada objeto somente subsistem pela ação coesiva de um espírito.
A árvore da floresta, em sua estatura plena, é o corpo de um gênio. Quando o machado a joga por terra, cada uma de suas partes, cada prancha, cada pedaço de lenha torna-se o habitat de um gênio de ordem diferente, e o carpinteiro, o marceneiro, que dão a essas pranchas uma forma útil e um uso prático, evocam inconscientemente um gênio novo, semissilvestre e semi-humano, que habitará essa madeira, que se tornou mesa, cadeira ou armário, e dirigirá a existência dela em uma certa medida.
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Cada homem aparece no invisível como o centro de uma
falange mais ou menos numerosa. Há servidores para facilitar suas necessidades,
e deuses para o benefício dos quais ele trabalha; os espíritos de seus ancestrais
estão lá, os de sua aldeia, de sua pátria, de sua raça e de sua religião; guias
o acompanham no exercício de seu ofício, no prosseguimento de seus empreendimentos,
na procura de seu ideal; viajantes chegam até ele, atraídos por suas virtudes,
seus vícios, ou suas preocupações. Ao seu lado estão enfim, dia e noite, um
representante da Luz, o anjo guardião, e um representante das Trevas, o mau
anjo.
Ademais, o deus que cada um serve – deus do dinheiro, deus
da ciência, deus da arte – envia para seu fiel verdadeiras cortes de auxiliares
e de colaboradores. Certos contos das Mil
e uma Noites explicam isso muito bem. Um conquistador, Napoleão, se querem
um exemplo, enviado à Terra como o cirurgião é enviado ao doente, somente fanatiza
seus soldados e amarra a Vitória a seu cavalo porque os países que ele
atravessa são povoados de homens e espíritos vindos em linha direta do mundo da
guerra e enviados pelo deus das batalhas.
Um concurso análogo é concedido ao grande filósofo, ao
fundador de religião, a todo herói. Entretanto, é preciso observar aqui uma diferença
essencial nas atitudes interiores desses missionários, atitudes que impõem a
sua obra uma qualidade de Luz ou de Trevas – porque as Trevas possuem também
seus enviados. Se o homem acredita em sua própria força e somente se apoia em si
mesmo, fará de seus auxiliares invisíveis escravos, obedientes pelo medo e
sempre prontos a se revoltarem. Se o homem se avalia em seu justo valor, isto
é, como um puro nada, e somente se apóia no Céu, ele fará de seus ajudantes
servidores voluntários, amigos sempre prontos a se sacrificar por sua obra. A qualidade
de nossos desejos faz a qualidade de nosso entorno.
Podemos ver no tipo do adepto e no do místico uma
ilustração muito clara destas atitudes interiores. O primeiro, pelos
treinamentos do sistema nervoso, do mental e da vontade, pelos êxtases onde ele
mergulha por conta própria força uma gama de espíritos de toda ordem a lhe servirem,
e os incorpora, de alguma maneira. O Amigo de Deus, ao contrário, não deseja
tornar-se um atleta espiritual, mas somente cumprir com perfeição a Lei na
pequena esfera onde a Providência o colocou. Os servidores que ele possui lhe
são enviados e, como eles vêm do Céu, seu devotamento é espontâneo, livre e
total.
A história da árvore sob a qual São Martinho de Tours
tinha o costume de orar e que, serrada subrepticiamente por um criminoso, caiu
do lado oposto ao corte para não esmagar o santo, não é uma lenda; o espírito
desse carvalho teria reconhecido o espírito do bispo piedoso. A taça de veneno
se quebrando entre as mãos de São Bento mostra também a inteligência das coisas,
e sua pequena liberdade. Numerosos fatos análogos mostram como o Céu protege
aqueles que têm Nele uma tranquila e corajosa confiança.
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Que instruções práticas podemos retirar desses quadros
feitos apressadamente?
A sabedoria ordena não procurar relações com os
invisíveis, sob nenhum pretexto, até mesmo recusar essas relações se os
espíritos se manifestarem espontaneamente. Mas estamos longe da sabedoria; do
contrário não haveria, por parte do mundo, tantos caçadores de fenômenos
psíquicos.
O espiritismo, mesmo quando fornece certezas experimentais,
é um engodo. Nunca uma invocação ajudou um defunto. As práticas espíritas negam
a bondade do Pai, pois é sempre a falta de confiança que nos leva a elas; elas
abrem uma porta – portas – a todo os desequilíbrios, fisiológicos e psíquicos; elas
engendram apenas a discórdia no reino dos mortos; elas nos tornam cegos à Luz
verdadeira.
A magia é ainda muito mais perniciosa. Ela pode operar
grandes maravilhas, algumas vezes mesmos coisas grandes aparentemente; mas ela
é sempre uma revolta contra a Lei, uma vez que ela comanda, usurpa e pilha, e
uma vez que para ela todo homem, salvo o homem livre, só deve servir, se
submeter e doar. A magia branca, esta que parece servir somente a boas causas,
é mais perigosa do que a magia negra. O feiticeiro, de fato, não pode fazer
grandes coisas; quando ele tiver matado um rebanho, homens, ou secado
colheitas, serão apenas danos físicos. Mas o mago, o hierofante dos livros de
ocultismo, o ser que se julga muito sábio, muito puro, muito elevado, que se
diz um homem livre porque reduziu à escravização quantidades de gênios, porque inclusive
– certos autores não encontram louvores bastantes para um tal crime - ele não
teme tomar por meios secretos os corpos de jovens robustos para prolongar
durante séculos sua própria existência terrestre: um tal homem é bem mais
nefasto, porque, pela aparente beleza de sua vida, leva os outros para o
orgulho, para o egoísmo espiritual, para a imobilidade, isto é, para a segunda
morte.
Não procurem nunca agir sobre o espírito das coisas;
não aceitem isto que Eliphas Levy chama a transmissão da varinha mágica. Não
pode o Pai não lhes dar tudo? E não dá conforme vocês demonstrem ter a força e a
sabedoria necessárias ao uso de Seus dons?
Desejam conhecer as coisas secretas? Comecem por manter
sob um segredo inviolável as faltas do próximo e o que ele lhes confiou. Desejam
realizar milagres? Comecem por se tornarem dignos dos milagres que, vinte vezes
por dia, a Providência realiza em seu favor e que vocês não se dignam a notar.
Desejam que os acontecimentos lhes obedeçam? Demonstrem-lhes, renunciando às
vantagens pessoais de suas aflições, que eles não poderão jamais lhes obrigar a
nada. Obedecer ao Pai, fazer o bem, combater seus próprios vícios; eis a receita
mais justa, mais sadia, mais ativa.
Sem ter de recorrer aos artifícios das ciências ocultas
e mesmo fora dos ritos litúrgicos, a simples qualidade, boa ou má, de nossa
vida moral é suficiente para beneficiar ou prejudicar todo o meio onde nós
evoluímos. A habitação será pura se o habitante for puro. Pode ser que os
cérebros ávidos do maravilhoso julguem esta teoria muito simples; entretanto a
simplicidade é o signo da verdade, o atributo da potência, o selo da Luz.
O conhecimento desses invisíveis nos é interditado
porque comportaria um poder imediato sobre a matéria, por intermédio deles. Nos
faltaria, desse modo, um dos objetivos da existência: evoluir o mundo material
pelo esforço material. A evolução da matéria obtida por dinamismos espirituais
seria muito brusca e, portanto, sem frutos.
As teorias que indico, por mais pueris que possam parecer,
lhes trarão novos deveres; em contrapartida, elas só proporcionarão novos direitos
mais tarde. Elas fornecem uma explicação nova e ao mesmo tempo muito antiga; outrora,
frequentemente elas deram coragem aos humanos desanimados; desejo que elas
ainda lhes concedam o mesmo serviço.
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O homem exerce, portanto, sobre os objetos do meio em que vive, uma influência real. Uma cadeira arremessada com furor armazena a cólera; os utensílios de uma dona de casa avara propagarão a avareza em seus futuros proprietários. O mesmo ocorre com os atos do homem bom, do ponto de vista dos fluidos e sobretudo do ponto de vista dos espíritos. Veem agora como é inútil se preocupar com as mil precauções inscritas nas Leis de Moisés ou de Manu? Comer em um prato já anteriormente usado, vestir vestimentas que outros já vestiram, alimentar-se de carnes ditas impuras, tocar cadáveres, isso suja, talvez, como pretendem os Orientais, o corpo ou a aura; mas não mancha nem o coração, nem o espírito. Os hierofantes antigos purificavam por fora; Jesus purifica por dentro. Uma mesa totalmente nova pode também ter sido manchada pela preguiça do operário, pela cupidez do mercador, pela malícia da árvore que forneceu os galhos. Em todo caso, o rito por si mesmo só purifica o plano das vibrações. Ao contrário, ainda que um objeto tivesse servido para perpetrar o crime mais hediondo, se o empregarmos para fazer um ato de verdadeira caridade, isso será, para seu espírito, uma purificação perfeita.
A caridade, único dever do indivíduo para com o resto
do mundo, é inumerável em suas aplicações. Não zombem de coisa alguma: isso
seria oferecer um abrigo ao espírito da difamação. Não quebrem os galhos nas
florestas, não matem os insetos, não destruam nada sem motivos relevantes. São
sábios à sua maneira aqueles que, nos vastos celeiros das casas do interior,
acumulam todas as velharias fora de uso; esses antigos servidores repousam juntos,
como trabalharam juntos; eles não sofrem com a ingratidão humana; ainda prestam
serviços a seus mestres, mas serviços espirituais em vez de materiais. Eles
atam à casa que os abriga as imagens do passado, os laços tradicionais, as
linhagens dos ancestrais e dos descendentes.
É por caridade que é preciso guardar os presentes incômodos ou ridículos; hospeda-se assim o que um outro não queria. É por caridade que não se deve destruir os velhos retratos, nem pela chama, nem pela tesoura; eles guardam sempre um pouco da vida daqueles que eles representam, mesmo se a pessoa já tiver morrido. Enterrem as fotografias desbotadas; a terra é maternal. Por caridade não soprem a lamparina ou a vela; evitem a morte súbita aos pequenos seres que fabricam a chama; uma vez que o seu sopro difunde em vocês a vida, não o obriguem a causar a morte fora. Por caridade não consertem indefinidamente as velhas roupas e as velhas vestimentas, se vocês podem comprar novos; a Lei é que tudo circule e que tudo se renove.
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Não economizem nenhum de seus humildes esforços, desses
obscuros sacrifícios. Chegará um tempo em que vocês encontrarão, em alguma das brancas
moradas do Pai, todos esses humildes gênios do lar, todos esses modestos
servidores; e diante de seu olhar emocionado passará, do fundo dos séculos e
dos espaços, a cena familiar onde vocês tiveram um gesto de doçura com as
testemunhas mudas, ainda que vivas, de sua pequena existência terrestre.
Todas as preces que vocês tiverem pronunciado, no silêncio
noturno e na solidão de seu quarto fechado, os objetos em torno de vocês as ouviram,
delas se alimentaram e guardaram-nas na lembrança. As coisas possuem uma memória;
a psicometria o prova. Saibam que seus livros, seus bibelôs, as árvores, em seu
jardim ou no campo, sentem sua presença, compreendem um pouco do que se passa
em vocês e esperam de vocês uma luz e uma direção.
Deem-lhes essa luz, não procurando esclarecê-los por
vocês mesmos; sua luz própria é bem pouca coisa. Mas se esforcem por reter em seu
coração a própria Luz do Verbo e serão para todos esses seres um guia seguro. Para
reter Jesus em vocês, sabem como devem fazer.
Apliquemo-nos às tarefas cotidianas, aos deveres
imediatos, aos trabalhos que podemos compreender; e deixemos as tarefas
distantes, abstratas, muito difíceis àqueles que acreditam poder conduzi-las
com êxito.
(1) Cf. Rituele
Romanum.
* Retirado e traduzido do livro de Paul Sédir: “Les forces mystiques et la conduite de
la vie” , Paris, Amitiés Spirituelles, 1977, Cap. 8, págs 119 à 132.
Tradução : Pseudo-Sedir
Revisão : Anderson Fortes Almeida
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